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Do fecho à resolução do Banif passaram 30 minutos no rodapé da TVI

A CMVM compilou as várias versões da notícia da TVI sobre fecho do Banif. Primeiro, avançava com perdas para depositantes, o que não aconteceu. Mas o citado uso da CGD como parte da solução para o banco foi mesmo uma hipótese.

Bruno Simão/Negócios
14 de Abril de 2016 às 16:19
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A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários compilou as várias versões da nota de rodapé da TVI, de 13 de Dezembro de 2015, que começaram por apontar para o fecho do Banif mas que acabaram a falar na aplicação de uma medida de resolução.

 

Carlos Tavares levou à comissão parlamentar de inquérito uma apresentação onde reuniu o conteúdo das várias notas de rodapé. "Banif: a TVI apurou que está tudo preparado para o fecho do Banif" foi a primeira nota, que surgiu pelas 22:18 na TVI 24, onde estava a ser transmitido um programa desportivo.

 

Na primeira versão, havia ainda a notícia de que "a parte boa vai para a Caixa Geral de Depósitos". "Vai haver perdas para os accionistas e depositantes acima de 100 mil euros e muitos despedimentos" era a nota que concluía o primeiro rodapé, que esteve a correr até às 22:35.

 

A essa hora, a versão de que haveria perdas para depositantes e que anunciava os despedimentos sai. Um minuto mais tarde, o rodapé já indica que os "depositantes [estão] salvaguardados mesmo acima dos 100 mil euros".

 

De acordo com o quadro elaborado pela CMVM, o "ticker" sai do ecrã às 22:47, voltando um minuto mais tarde. E, nesta altura, o fecho do Banif deixa de estar em cima da mesa: "Banif: a TVI apurou que está tudo preparado para a resolução do banco". Passaram 30 minutos depois da versão inicial. A transferência da "parte boa" para o banco público mantém-se, tal como as indicações sobre as perdas para os accionistas e a protecção para os depositantes.

 

Já depois das 23:06, as notas de rodapé são diferentes das iniciais. "Banif: a TVI apurou que está tudo preparado para a resolução do banco"; "Vai haver perdas para os accionistas"; "Depositantes salvaguardados mesmo acima dos 100 mil euros". "Está em estudo recorrer à Caixa Geral de Depósitos".

cotacao O episódio da TVI dita, em definitivo, a resolução do Banif. Se não tivesse havido o episódio TVI, o Banif teria uma situação de liquidez normal Jorge Tomé Ex-presidente executivo do Banif, a 14 de Abril

Banif e Finanças desmentem, BdP quis assegurar liquidez

 

No jornal das 24:00, houve depois esclarecimentos dados pelo canal sobre o caso. O Ministério das Finanças rejeitou a notícia. A gestão do Banif também desmentiu "categoricamente", classificando-o de "jornalismo incendiário e irresponsável".

 

"Mais se lamenta que aquele canal televisivo tenha colocado no ar notícias com a gravidade das acima referidas e com as imprevisíveis consequências delas decorrentes sem se ter dignado confirmar o respectivo teor junto das autoridades responsáveis e/ou do próprio Banif", avançava ainda o Banif em comunicado, publicado pelas 00:46 do dia 14, acrescentando a equipa de Jorge Tomé que iria actuar judicialmente (a que se juntaram depois clientes e sindicatos).

 

Os desmentidos do Ministério das Finanças e do Banif fizeram com que as acções do Banif não fossem suspensas pela CMVM no dia seguinte. Carlos Tavares explicou que a suspensão, na segunda-feira, esteve a ser discutida mas que tal não aconteceu porque poderia mostrar que a CMVM não acreditava nas explicações dadas pelo gabinete de Mário Centeno.

 

O Banco de Portugal só falou sobre o tema na terça-feira, dizendo que estava a acompanhar a situação do Banif. Luís Amado, que presidia à administração do Banif, criticou a demora do regulador. Neste caso, Carlos Costa disse que o importante era assegurar, na segunda-feira após aquela notícia (que tinha sido replicada em vários jornais), que os balcões tivessem dinheiro para fazer face a levantamentos de depósitos colocados na instituição financeira. Na semana entre 14 e 18 de Dezembro, foram retirados 960 milhões de euros em depósitos do banco sediado no Funchal.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social abriu um processo sobre esta informação dada pela TVI.

 

CMVM quis saber origem da notícia

 

cotacao A direcção de informação da TVI, invocando a lei da imprensa, declarou não poder fornecer essa informação, garantindo apenas que tinha feito todas as verificações que seriam recomendadas.  Carlos Tavares Presidente da CMVM

A notícia tem sido central em várias audições da comissão de inquérito ao Banif, o que voltou a acontecer na de Carlos Tavares. O líder do regulador do mercado de capitais quis saber quem era a fonte daquela notícia, para tentar perceber se poderia estar em causa alguma manipulação do mercado. "Pedimos essa informação só para este efeito. A direcção de informação da TVI, invocando a lei da imprensa, declarou não poder fornecer essa informação, garantindo apenas que tinha feito todas as verificações que seriam recomendadas", disse Carlos Tavares aos deputados. 

 

Fuga de informação ou notícia falsa? Esta tem sido uma dúvida levantada por deputados do inquérito parlamentar na notícia. Há factos revelados pela TVI que se enquadram no que estava a ser estudado. O Governo de António Costa queria, de facto, colocar o Banif sob a alçada da Caixa Geral de Depósitos mas o facto de esta ter recebido uma injecção de dinheiro estatal em 2012 impediu que tal se concretizasse, como fez notar a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (que analisa os auxílios estatais concedidos em países da União Europeia).

 

Contudo, a notícia da TVI tem partes que nunca se materializaram, como a perda imposta a depositantes com mais de 100 mil euros. O canal chegou a pedir desculpas a accionistas, trabalhadores e ainda aos espectadores.

 

Na sua audição, o governador Carlos Costa afirmou que ainda estava a ser estudada uma acção contra a TVI. O seu antigo administrador, António Varela, falou em "notícia criminosa". "Seria preciso saber mais sobre a origem da notícia para podermos chegar a alguma conclusão", indicou.

 

O Ministério Público já disse que está a acompanhar o caso Banif mas, no arranque dos trabalhos da comissão de inquérito, ainda não tinha aberto qualquer processo específico.

 

A resolução ditou o fim do banco?

 

O antigo CEO do Banif, Jorge Tomé, defende que foi a notícia da estação de Queluz de Baixo ditou, em definito, a resolução. Mas a verdade é que esta possibilidade (que implica perdas a accionistas e a detentores de dívida subordinada) estava já a ser estudada há algum tempo. Há tanto tempo que em 2013, quando o banco fundado por Horácio Roque recebeu 1,1 mil milhões de euros públicos, a resolução foi uma hipótese em cima da mesa, que acabou por não avançar.

 

Só após o Verão de 2015 é que se começa a falar mais frequentemente da resolução da instituição financeira e há cartas, entre instâncias europeias e Lisboa, que apontam para essa possibilidade. Mesmo antes da notícia da TVI. Só que o rodapé da estação de televisão veio acelerar uma solução.

 

Foi na quarta-feira seguinte que o conselho de governadores do Banco Central Europeu, quando estavam já a sair em força depósitos do banco, decidiu suspender o estatuto de contraparte do Banif se, na segunda-feira seguinte (21), o Banif não tivesse sido vendido e alvo de resolução. Foi também nessa altura que o conselho de supervisão do BCE rejeitou a ideia de criar um banco de transição do Banif para ser vendido no futuro; a solução passava por uma venda imediata e pela criação de um veículo que ficasse com os activos que não fossem comprados.

 

Foi no fim-de-semana de 18 a 20 de Dezembro de 2015, por não ter aparecido um comprador que não obrigasse à injecção de dinheiros públicos, que se avançou para a resolução. Jorge Tomé afirma que foi a TVI que ditou a resolução. Uma resolução que aconteceu ainda em 2015, antes da entrada em vigor das novas regras europeias para este tipo de acções, que efectivamente podem pôr em causa não só os accionistas e os credores subordinados mas também afectam os investidores que têm dívida sénior e os depositantes com mais de 100 mil euros. Portugal, tal como a Itália, actuaram antes da entrada em vigor das novas regras. 

 

A 20 de Dezembro, o Banif foi alvo de uma medida de resolução, com a injecção de 2.255 milhões de euros estatais, com a venda da sua actividade tradicional ao Santander Totta, banco que pertence ao Santander que, por sua vez, é accionista do grupo Prisa, dono da TVI - uma ligação que já levantou dúvidas a deputados. A Comissão Europeia já disse que não vê ligação entre a notícia e o facto de o banco ter sido comprado pela instituição espanhola.

 

Sérgio Figueiredo, que dirige a informação da TVI, e António Costa (o jornalista que Jorge Tomé disse estar a coordenar a notícia), estão na lista das audições da comissão parlamentar de inquérito. 




Notícia da TVI sobre o Banif
Notícia da TVI sobre o Banif DR



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