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Perceba a crise migratória clandestina em Calais

O problema não é novo, mas o número de migrantes clandestinos que todos os dias tentam chegar a solo britânico partindo de Calais está a aumentar. As causas do aumento deste fluxo são conhecidas e mostram que “enfrentar este problema na sua raiz”, como pedido por Paris e Londres, requer um tipo de resposta que a UE não parece preparada para assegurar.

05 de Agosto de 2015 às 17:42
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A Comissão Europeia anunciou, na passada terça-feira, a disponibilização de 20 milhões de euros para ajudar a França a lidar com a crise de migração clandestina junto ao canal da Mancha. Esta ajuda foi anunciada um dia depois de a Europa ter avançado com 27 milhões de euros para apoiar o Reino Unido na resolução do problema.

 

Citado pelo Euroactive, órgão de comunicação especializado em assuntos europeus, o comissário europeu para a Migração e Assuntos Domésticos, Dimitris Avramopoulos, explicou que estes apoios provêm "de um total de 266 milhões de euros destinados à França, e de mais de 370 milhões de euros destinados ao Reino Unido, para o período compreendido entre 2014 e 2020".

 

Além do apoio financeiro concedido, a Comissão também ofereceu assistência técnica aos dois países, nomeadamente através da Frontex (agência europeia responsável pelo controlo das fronteiras exteriores), visto que a agência pode contribuir agilizando os processos de identificação e posterior repatriamento. O anúncio da Comissão surgiu poucas horas depois de uma fonte policial ter revelado que na madrugada de terça-feira cerca de 500 migrantes foram vistos junto ao canal da Mancha, tendo sido registadas 600 tentativas de entrada no túnel que atravessa o canal. Somente desde o último mês de Junho, já morreram pelos menos 10 migrantes que tentavam chegar clandestinamente ao Reino Unido.

 

A garantia de meios financeiros a Paris e Londres poderá ajudar a atenuar o problema. Contudo, continua a faltar a prometida resposta conjunta dos Estados-membros para enfrentar o problema da imigração para a Europa. A insuficiente resposta até agora dada pela União Europeia (UE) para resolver a situação ficou patente no recurso ao privado, por parte da Frontex, de meios para assegurar o patrulhamento e vigilância do Mediterrâneo. A Frontex criticou mesmo a insuficiente resposta dada pelos Estados-membros da União Europeia.

A incapacidade europeia foi também visível no pedido de apoio efectuado há três dias pelos governos francês e britânico. "Muitos dos que estão em Calais e tentam atravessar o canal vieram da Grécia, Itália e de outros países. Por isso fazemos pressão para que os outros estados - e a UE no seu conjunto – enfrentem este problema na sua raiz", referia uma carta dos ministros do Interior da França e do Reino Unido.

 

"Não cabe ao Reino Unido e à França resolver este problema sozinhos", sustentavam Bernard Cazeneuve e Theresa May numa aproximação ao proclamado em Abril pelo primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, quando defendeu, na sequência do naufrágio ao largo do mar líbio que provocou a morte de 800 migrantes, que a Europa precisava unir-se para resolver uma crise que afecta todos.

Porém, não deixa de ser paradoxal que o Reino Unido apele à solidariedade europeia depois de, juntamente à Hungria e a Áustria, ter sido um dos poucos países a rejeitar participar no programa de recolocação dos cerca de 40 mil imigrantes que permanecem nos campos de acolhimento da Grécia e da Itália. Portugal irá acolher mais de 1.400 refugiados. Por outro lado, o governo britânico está actualmente em conversações com Bruxelas no sentido da introdução de reformas que permitam limitar o número de europeus que tentam aceder ao mercado de trabalho do Reino Unido.

 

Lampedusa no norte de França

 

O fluxo de migrantes e refugiados que tentam chegar a solo britânico tem aumentado nos últimos meses. Resultado do agravar da situação na Síria e na Líbia, do terrorismo do Estado Islâmico, bem como da fome e da miséria na África Subsariana. Tudo factores que contribuem para o crescente afluxo de migrantes que tentam atravessar o canal da Mancha.

Itália e Grécia são as principais portas de entrada daqueles que perseguem o "sonho europeu" para fugir à desgraça vivida no ponto de partida de uma jornada que não raras vezes termina em desgraça: repatriamento, detenção ou morte. De acordo com as Nações Unidas, os actuais 60 milhões de refugiados e deslocados representam o maior número de sempre desde que há registos.

 

Atravessar o deserto, sobreviver à fome, escapar à polícia e autoridades fronteiriças, atravessar o Mar Mediterrâneo, são obstáculos que se impõem e que a cada etapa causam vítimas. Um relatório ontem divulgado pela Organização Internacional das Migrações (OIM) revelava que em 2015 já morreram mais de 2 mil migrantes enquanto tentavam atravessar o Mediterrâneo.

 

Conhecido como "Nova Selva", o acampamento de migrantes situado no noroeste francês, perto do Pas de Calais e do Eurotúnel, alberga actualmente cerca de 3 mil pessoas. Se é um facto que este acampamento existe há já vários anos, a verdade é que nunca contou com tanta gente. A cada noite, dezenas destes "campistas" tentam escapar às autoridades e aceder ao Eurotúnel a caminho do que esperam ser uma nova vida no Reino Unido.

 

Esta "Nova Selva" é, segundo conclusão da agência Reuters, em conjunto com os campos de acolhimento em Lampedusa, na Itália, e em Lesbos, na Grécia, o "símbolo do falhanço europeu em lidar com a migração". E se na Hungria está a ser construído um muro ao longo da fronteira com a Sérvia para impedir a entrada de imigrantes clandestinos, tanto Paris como Londres têm anunciado sistematicamente investimentos no reforço do policiamento e na construção de vedações em torno dos parques de estacionamento onde os camiões aguardam antes de atravessar o canal da Mancha.

 

Paradoxalmente, por vezes a actuação das polícias pode até ser contraproducente. O Guardian escreve esta quarta-feira que mesmo os camionistas que a certa altura se apercebem que transportam clandestinamente migrantes, acabam muitas vezes por não alertar as autoridades. Isto porque mesmo que avisem a polícia são alvo de pesadas coimas por parte das autoridades fronteiriças britânicas.

A solução para este problema não parece estar ao virar da esquina. Apesar dos apelos à união e solidariedade, o vice-presidente de Calais ameaçou, esta semana, dizer aos imigrantes "que podem passar". Emmanuel Agius aludiu à possibilidade de incumprimento do Tratado de Touquet (que enquadra a gestão e controlo da passagem de refugiados). Tratou-se de uma resposta ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, que classificou de "praga" as pessoas que atravessam o Mediterrâneo à procura de melhores condições de vida.

Em Abril, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, anunciava um plano de acção que serviria para corresponder ao pedido britânico-francês entretanto feito no sentido de "enfrentar este problema na sua raiz". Tusk falava numa tentativa de limitar os fluxos migratórios para a Europa, indo à raiz do problema através do melhoramento da cooperação com os países de origem e trânsito dos migrantes, especialmente a Líbia. Até agora não foram conhecidas acções concretas no terreno. Em Maio, Renzi pedia uma Europa que "não reaja apenas a emergências, principalmente no Mediterrâneo". Já esta quarta-feira, a guarda costeira italiana registou um novo naufrágio ao largo do mar líbio, já próximo da ilha transalpina de Lampedusa, que provocou o desaparecimento e provável morte de centenas de migrantes.

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