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Da responsabilidade moral da mortandade no Mediterrâneo

A depredação dos mais sagrados valores civilizacionais, o medo que domina os povos, explorados até ao tutano, determinam os êxodos de milhões de pessoas e a corrida para a morte, como último recurso de sobrevivência.

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A mortandade no Mediterrâneo tem causas, responsáveis e culpados. Os piedosos discursos dos dirigentes da União Europeia configuram a mais despudorada hipocrisia e a indiferença mais sórdida. Não será difícil determinar que a invasão do Iraque despoletou uma onda tenebrosa de guerras e de conflitos em toda a bacia mediterrânica, aumentando as tensões e agravando os ódios, já bem espalhados naquela zona do mundo. Os povos viram-se encurralados e submetidos às maiores humilhações. Está na memória a captura de Saddam Hussein e o vexame que sofreu, com os captores a observarem-lhe a boca, para examinar não se sabe o quê, e depois enforcaram-no em directo.


A invasão daquele país resultou de uma série de mentiras e de falsidades políticas. Ficou provado que não havia armas de destruição maciça, e que a existência de petróleo e de gás natural suscitara a cobiça dos americanos. A teia da invasão foi urdida nos Açores, durante um encontro entre W. Bush, Aznar e Tony Blair. Durão Barroso serviu de mordomo. Não participou no encontro e, enquanto os três senhores da guerra combinavam o morticínio, o pobre Barroso ficou a tomar um café, numa esplanada. A seguir, Barroso voltou ao continente e W. Bush e comparsas regressaram aos países respectivos. A guerra começou dias depois, apesar dos protestos do mundo e das indignações de um dos membros da comissão de inquérito, que testemunhara a impostura.


Bush e os outros ficaram impunes do crime hediondo, e Donald Rumsfeld, o sinistro secretário de Estado americano, preparou-se para "reconstruir" o Iraque, através das empresas de construção civil de que é proprietário. A infâmia deu origem a uma explosão generalizada de cólera em todos os países circundantes e ainda hoje pagamos o ónus. Há dias, vi nas televisões Pedro Passos Coelho a elogiar Barroso, que apareceu na imagem obeso e sorridente, feliz da vida e dos seus feitos. Uma vergonha inominável.


O regresso da ideia do Califado, o recrudescimento do "Estado Islâmico", as ofensivas de terror, o esvaziamento de qualquer sinal de esperança, as guerras, a fome e a miséria, impostas aos povos, são farinha do mesmo saco. A depredação dos mais sagrados valores civilizacionais, o medo que domina os povos, explorados até ao tutano, determinam os êxodos de milhões de pessoas e a corrida para a morte, como último recurso de sobrevivência. As máfias, que fazem o negócio das viagens para a Europa, têm de ser perseguidas e condenadas, por desprezíveis. Mas a fome, a miséria e o desespero provocados por esta política medonha da hegemonia de um povo sobre os outros, acentuada até ao impudor depois da queda do Muro de Berlim, não pode continuar, sob o risco do rebentar de uma guerra total, aparentemente cada vez mais próxima.


Devo dizer que sou tributário da cultura norte-americana, no que ela tem de mais vivo e progressista, mas não posso calar o meu protesto quando vejo que o "sistema", levado a estes extremos, causa dor e sofrimento a milhões e milhões de pessoas. O que ocorre, quase a todas as horas, no Mediterrâneo, resulta dessa ideologia, e todos aqueles que a apoiam e, conscientemente, não a combatem, são cúmplices do mais atroz dos crimes contra a humanidade. Vladimir Pozner, grande escritor, autor de alguns livros que ajudaram a formar gerações de jovens, escreveu que "o que interessa aos Estados Unidos não interessa certamente ao resto do mundo". Ressalvando o excesso, é evidente que há muito de verdade na asserção. Seria bom que reflectíssemos, com serenidade mas com espírito crítico, acerca das responsabilidades morais que países "hegemónicos" têm, nesta terrível actualidade.

 

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