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Baptista Bastos - Cronista b.bastos@netcabo.pt 27 de Janeiro de 2017 às 10:51

Uma vida cheia de paixão e de jornais

A memória é uma constância, que passa de homem para homem e de geração para geração.

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Aos meus netos, Francisco e Manuel, o coração do avô
Baptista-Bastos

Agora lembro-me, com saudade e minúcia, daqueles meus camaradas que, n'O Século, me ajudaram a ser o que sou. E o que sou é o que queria ser. Perdoem a arrogância, aparente ou é mesmo assim: sou o que sou, um pouco desabrido e um pouco cheio de mim, mas incapaz de trair e ainda com alguns sonhos de que hei-de ver o mundo melhorar. Pertenci aos jornais e aos jornais consagrei uma vida, já muito vivida e repleta de alguns desgostos e desatenções. Sou o que sou e o que, afinal, queria ser. Um repórter.

Passam pela minha memória, num tropel por vezes absurdo, alguns daqueles que me ajudaram a ser eu. Estão no meu coração, antes de se fixarem, para sempre, na minha lembrança. O Acúrsio Pereira, jornalista sem par, querido amigo, dos melhores que tive. E Francisco Mata entre muitos mais, entre eles Nelson de Barros.

José Manuel Miranda Pessoa, inesquecível pela sua constância em tomar conta de mim e em ensinar-me os segredos da profissão. E, também, José Barão, Boavida-Portugal, Redondo Júnior, João França, Alfredo Gândara, Geraldo Soares, Leal da Silva, Mário Reis, Luís Figueira, Manuel Germano da Silva e Costa, esqueço certamente alguns, mas todos eles, e os de que me não lembro, estão no meu coração. Foi uma aprendizagem grata e nada dificultosa. O Século era um jornal excelente pela qualidade dos seus jornalistas e quase todos eles trabalhavam noutros jornais, a fim de arredondar a conta ao fim do mês. Ganhava-se muito pouco e, por decência, fico-me por aqui.

Viajei pela Europa, e escrevi textos de que, ainda hoje, me orgulho. Quando fui à Grécia e à Turquia, reinavam naqueles países governos ferozes. Escrevi sobre eles, até que veio uma ordem da Censura e os artigos ficaram suspensos. Ainda possuo um último original.

Nessa ocasião, trabalhava também, n'O Século Ilustrado e adquirira certa nomeada, com o "Comentário de Cinema", semanalmente editado, e com o qual conquistara nomeada, pela agressividade política e ideológica utilizadas. Entrei em polémica com jornalistas de direita, e as coisas azedaram. Recordo-me, ainda, de alguns dos textos publicados e da nomeada que conquistei, sobretudo entre os cineclubistas. Lembro-me, com emoção e orgulho, de muitos desses companheiros de ideal, e, ocasionalmente, revejo alguns, conversamos desses tempos ominosos e sorrimos. Fizemos o que tínhamos de fazer e nunca pedimos indemnização. Mas as coisas não eram para sorrir. As cadeias políticas estavam repletas, sabíamos das torturas, os nomes dos grandes resistentes, alguns de nós recolheram os que conseguiram escapar e, lembro agora, o nome de um grande esquecido, que ajudou numerosos a fugir da cadeia de Peniche: o actor Rogério Paulo, tão miseravelmente ignorado.

Mais, muitos mais são esquecidos, mas a estes se deve a respiração que respiramos. As brutalidades de que foram vítimas fazem parte do historial dos nossos heróis, mas também pertencem ao orgulho colectivo. Sem eles o nosso tempo seria outro, e as bases do que somos provêm do silêncio corajoso daqueles que deram tudo, muitos dos quais a própria vida, sem pedir nada em troca. A desatenção constante a esses homens e mulheres constitui um sinal da época triste em que vivemos. Eu não os esquecerei. E muitos mais como eu. A memória é uma constância, que passa de homem para homem e de geração para geração.

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