No novo livro "Mestre dos Batuques", editado pela Quetzal, José Eduardo Agualusa recua ao início do século XX para contar uma história que se passa no Planalto Central de Angola. Este é um falso romance histórico, avisa. Mas estão lá dados relevantes para uma discussão sobre os vários nacionalismos no país. Normalmente, a história de Angola só se conta a partir de Luanda. Mas há outras realidades que é preciso conhecer. Agualusa olha para a Angola de hoje e acredita que o tempo em que a corrupção era "um programa de Estado" chegou ao fim. Mas o Presidente, João Lourenço, "está numa situação muito ingrata", porque tem alguns dos "seus inimigos mais poderosos dentro do seu próprio partido".
* Entrevista publicada originalmente a 25 de outubro de 2024
Como foi o processo criativo para chegar a esta história? Foi muito diferente dos seus livros anteriores?
Sim, foi. Normalmente, eu não sei muito sobre o livro quando o começo a escrever. Às vezes tenho apenas um personagem ou uma frase, uma ideia, mas não sei muito mais. O livro vai acontecendo à medida que os personagens crescem. "O Vendedor de Passados" surgiu porque eu sonhei com o personagem principal, que vendia passados aos novos-ricos. Acordei com aquele sonho e escrevi um conto, que publiquei no Público, e depois percebi que o personagem podia crescer e escrevi o romance. Por exemplo, com o "A vida no céu", acordei com uma frase. E, a partir dessa frase, comecei a imaginar o que seria se as pessoas fossem forçadas a viver no céu, a construir balões, dirigíveis..., etc. Então, depende muito. Mas, com este livro, foi diferente. Teve a ver com o meu livro anterior, "Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku", que é uma biografia do Abel Chivukuvuku [político angolano]. Essa biografia "empurrou-me" para o Planalto Central de Angola, que é a minha terra natal. E, em concreto, para o Reino do Bailundo. Para a escrever passei meses a ler imensa coisa, registos de viajantes que estiveram no reino do Bailundo no século XIX, e fui apanhando muitas histórias. Algumas já conhecia, outras aprofundei. Um dia, estava a viajar para um evento literário em Braga e a história do "Mestre dos Batuques" caiu-me, do nada. De repente, em cinco minutos, tinha a história, tinha uma série de personagens... Isso nunca me tinha acontecido.
Qual foi a primeira personagem que veio à sua mente?
Foi uma imagem, a dos soldados mortos. [A cena que abre logo o primeiro capítulo].
Esse momento é totalmente ficcionado ou baseou-se em alguma coisa que leu na sua pesquisa?
Não. É ficção. Mas o livro tem muito a ver com os reinos do Planalto Central, que foram independentes até ao início do século XX.
Este livro foi também um exercício de autodescoberta, uma vez que se passa na sua terra natal?
De certa forma, foi um regresso às paisagens da minha infância. Elas também estão neste livro.
Existem coisas neste livro que foi buscar às suas memórias?
Sim. E quando escrevi a biografia do Abel Chivukuvuku visitei o Bailundo. Na verdade, fiz uma visita ao rei do Bailundo com o Abel e o irmão dele, o Américo Chivukuvuku. Muita da informação que tinha, recolhi-a durante o processo de escrita da biografia.
Volta ao romance histórico, onde vai cruzando a história de Angola com a de Portugal. Ainda há muito para contar sobre a relação entre os dois países?
É preciso dizer que se trata de um falso romance histórico. Parece ser, mas não é. A partir de certa altura, a minha história afasta-se da história do nosso mundo. É um universo paralelo. Evidentemente, a história de Angola confunde-se com a história de Portugal. Mas não é só isso. Aliás, neste livro, fica muito claro que a história de Angola é muitas coisas e não decorre apenas da presença portuguesa. Decorre, por exemplo, da presença dos missionários protestantes americanos e canadianos, que foi muito importante no Planalto Central. De facto, é mais importante e mais antiga do que a presença portuguesa. Quando os comerciantes portugueses chegaram ao Planalto Central, já encontraram instaladas algumas missões protestantes. Muitas vezes, esses comerciantes que chegavam eram pobres, analfabetos, e encontravam angolanos que já sabiam ler, escrever e falavam inglês, porque tinham estudado nas missões. Essa presença dos missionários protestantes foi absolutamente fundamental na educação e moldou por completo a história de Angola e a história do nacionalismo angolano. Há um nacionalismo angolano do litoral e um nacionalismo angolano do planalto central, que são completamente distintos. As pessoas formadas nas missões protestantes americanas, evidentemente, têm uma mentalidade muito distinta das pessoas de Luanda ou de Benguela. Isso explica a guerra civil, por exemplo. Aquilo que separava o MPLA e a UNITA era muito mais do que questões políticas. Eram questões culturais profundas. A UNITA é uma coisa e o MPLA é outra, porque a sua origem cultural é distinta. Quem faz o MPLA são pessoas da região de Luanda, com uma cultura de matriz afro-portuguesa católica. Quem faz a UNITA são pessoas com formação protestante, com uma cultura calvinista anglófona. A mentalidade é completamente distinta. Quem tem uma educação calvinista, é uma pessoa. Quem tem uma educação católica, é outra pessoa. Não são iguais. De todo.
Isso trouxe um choque cultural entre a população do país?
Provocou uma guerra civil. É mais profundo do que isso. A questão ideológica é superficial. As divergências ideológicas não foram o principal, o principal foram as divergências culturais.
Hoje ainda há essa divisão?
Não. Mudou muito. Veja a situação das últimas eleições, em que a UNITA ganhou em Luanda e o MPLA ganhou no Bailundo.
Como é que vê hoje o país? Já não vive lá…
Neste momento, vivo em Moçambique. Mas vou lá muitas vezes. Tenho uma ligação muito próxima com Angola. Eu vejo o país com otimismo. Vejo, aliás, com mais otimismo do que vejo Moçambique. Acho que a situação política em Angola é mais estável do que a que se vive hoje em Moçambique. Por várias razões. Em Moçambique, há linhas de fratura maiores ao nível religioso, étnico, etc. O país está dividido entre o norte e o sul, entre cristãos e muçulmanos. A grande surpresa destas eleições em Moçambique é o Venâncio Mondlane, que é um pastor evangélico, e que tem uma votação enorme em todo o país, incluindo no Norte, que é uma área de maioria islâmica. Então, também aí há surpresas. Aliás, em Moçambique, felizmente, nunca apareceu na política alguém que usasse a questão religiosa [para chegar ao poder]. Se aparecesse, não seria bom. Veja-se o que aconteceu no Brasil. O aparecimento do fundamentalismo cristão destruiu o país. E nos EUA está a levar a uma guerra civil. A utilização dos fundamentalismos religiosos é sempre má. Por exemplo, em Angola, o fundamentalismo islâmico não existe e a sociedade angolana, mesmo a nível oficial, tem resistido ao fundamentalismo cristão. O partido no poder tem resistido a isso. E, portanto, não penetrou no sistema político, como aconteceu no Brasil e um pouco em Portugal, embora muito menos. Mas, em Portugal, também há fundamentalismo cristão atrás do Chega. Aliás, o Chega não existiria sem os brasileiros.
Voltando ao seu livro. Uma das personagens principais é o Jean Pinto. Ele é uma mistura entre o mundo europeu e o mundo africano. É filho de um colono português e uma mulher bóer que nasce e que cresce no Planalto Central. Esta personagem serviu-lhe para fazer a ligação entre a Europa e África?
Sim. Podemos dizer que é um personagem de ligação.
Como escritor, também sente que tem feito essa ligação entre África e Europa?
Sinto. Mas também entre África e África.
Como assim?
O livro anterior, "Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku", é muito importante em Angola, porque traz uma outra visão do país. Uma outra história de Angola. A história de Angola normalmente é contada a partir de Luanda. O que tentei fazer, com a biografia do Abel Chivukuvuku, foi contar a história de Angola a partir do Bailundo, a partir do Planalto Central. E com este livro é um pouco a mesma coisa.
Que fase foi esta da história de Angola? A narrativa passa-se em 1902. Nessa altura, houve a revolta do Bailundo.
É uma fase de grandes transformações. Concretamente, é uma fase de consolidação do poder colonial em Angola. Como expliquei antes, os diferentes reinos do Planalto Central mantiveram-se independentes até ao início do século XX. Não é nada original. Foi algo comum em África. Quando falamos da colonização europeia, normalmente esquecemos isso. Deixe-me mostrar-lhe um mapa de Angola de 1840, que comprei num alfarrabista. [Vai buscá-lo] O que vemos é que no litoral há uma série de cidades. Era ali que estava a presença colonial europeia, não estava no interior. O interior estava vazio. Mas, na realidade, não estava vazio. O interior era ocupado por algo que os europeus desconheciam, que eram os reinos africanos. Até esta altura, toda esta região era governada por reinos africanos e não pelos europeus. Então, quando dizemos que Portugal esteve em Angola 500 anos, é mentira. No Planalto Central, esteve 70 anos. O avô do Jonas Savimbi [líder histórico da UNITA] cresceu num território independente. O Savimbi tinha memória, através da família, de um tempo em que quem mandava nos portugueses eram os africanos. Para se estabelecerem nos reinos do Planalto Central, os portugueses tinham de ter autorização dos reis, pagavam tributo. Líderes como o Savimbi lembravam-se disso, através da família. O avô dele combateu os portugueses. Isto também é muito importante em termos de mentalidade.
Os europeus chegaram e dividiram a régua e esquadro o continente africano.
Isso foi numa fase anterior, na Conferência de Berlim. Essa discussão das fronteiras é uma coisa que se repete muito. As fronteiras todas do mundo foram feitas assim. Essas fronteiras africanas são mais antigas do que as fronteiras europeias que, aliás, são muito recentes. Portugal é uma exceção. Mas quase todos os países europeus têm fronteiras recentes. Eu lembro-me que uma vez na Croácia alguém me disse: o meu avô já teve três passaportes porque já foi italiano, jugoslavo e croata. As fronteiras europeias mudam constantemente. As fronteiras africanas são mais sólidas e mais resistentes. Claro que houve divisões, claro que os povos foram divididos. Mas é assim no mundo inteiro. Há povos de fronteira. Os bascos, por exemplo, são povos de fronteira. É uma tribo que está separada entre França e Espanha. A Europa está cheia de povos de fronteira. E uma boa parte dos grandes conflitos étnicos no nosso tempo ocorrem na Europa. Agora mesmo há uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que é um conflito de fronteiras.
Estes quase 50 anos de independência de Angola já resolveram as feridas do colonialismo? Ou ainda há muita coisa para sarar?
Fala-se muito em Portugal da guerra colonial. Em Angola, não se fala porque, entretanto, houve outra muitíssimo pior, que foi a guerra civil. Além disso, Angola é um país onde 70% da população tem menos de 20 anos. Então, não há memória. Não é uma questão do dia a dia.
Que relação têm hoje Portugal e Angola?
Há uma comunidade muito grande de angolanos em Portugal. Existe um trânsito muito grande de pessoas. Também de portugueses em Angola. Por isso, é uma relação muito próxima.
E, em temos de relações económicas, diplomáticas...
Também. Essa relação é muito profunda tanto em termos culturais como económicos. Há angolanos com investimentos grandes em Portugal, como há portugueses com investimentos em Angola. É muito diferente da relação de França ou de Inglaterra com as suas antigas colónias. Portugal não tem a força da França nem de Inglaterra, não é um centro de poder. Pelo contrário, Angola tem uma influência muito grande em Portugal. Isso torna as relações de poder completamente diferentes. Não existe a menor comparação. Houve uma telenovela em Portugal em que os atores angolanos negros eram os ricos e os portugueses eram os pobres.
Nos anos da crise financeira em Portugal, os angolanos foram uma espécie de tábua de salvação, em termos económicos?
Também esse tempo acabou. O tempo das vacas gordas em Angola acabou. E o tempo da grande corrupção, felizmente, também acabou.
Acredita mesmo que a corrupção em Angola neste momento está mais controlada?
A corrupção institucionalizada, como acontecia no tempo do José Eduardo dos Santos, acabou. Não tem nada a ver com o que era. A corrupção era um programa de Estado. No tempo do Presidente José Eduardo dos Santos houve um enriquecimento ilícito que foi programado. Isso acabou. Não existe mais.
Ainda assim, muitos angolanos continuam a vir embora do país. Estas pessoas dizem que o país não está bem em termos económicos. Também sente isso, quando vai lá?
Sim, claro.
O que lhe parece que piorou?
Não sei se piorou. Eu até tenho a impressão de que em muitos aspetos melhorou imenso. Na liberdade de expressão, por exemplo, não tem nada a ver com o tempo do Presidente José Eduardo dos Santos. O que acontece é que as pessoas estão cansadas. Ainda que o Presidente João Lourenço não esteja a fazer muito mau trabalho – não acho que o Governo dele seja desastroso, pelo contrário –, as pessoas estão cansadas do MPLA, estão cansadas dos problemas do quotidiano que não se resolvem.
E, sendo uma população muito jovem, tem expectativas de vida…
Claro. A UNITA ganhou em Luanda com 62% dos votos, mesmo em circunstâncias desfavoráveis. Se ganhou em Luanda, provavelmente, ganhou no país. Em Luanda é mais difícil haver fraude. Portanto, ainda que não tenha ganho, com toda a certeza, os resultados terão sido melhores do que aqueles que foram reconhecidos. E ganhou em Luanda, que é a grande cidade, onde está a maior parte das pessoas e era um território do MPLA. Isso mostra a inquietação e a insatisfação das pessoas, sobretudo da juventude. A juventude angolana está muito insatisfeita.
Isso pesou nas decisões políticas que o Presidente João Lourenço tomou quando tomou posse?
Sim. Acho que o João Lourenço está numa situação muito ingrata. Uma larga parte dos seus inimigos mais poderosos estão dentro do seu próprio partido. Não estão na oposição, estão dentro do seu próprio partido. Isso coloca-o numa posição muito difícil porque tem de lidar com a oposição interna e com a oposição externa. Não é fácil.
Como interpreta a visita do Presidente norte-americano, Joe Biden, a Angola, agora adiada para o início de dezembro?
Na minha perspetiva, os americanos estão preocupados com a presença chinesa. Angola é um dos principais parceiros económicos da China em África. Portanto, os EUA têm razões para estarem preocupados. Acho que estão a tentar ocupar um espaço.
É a primeira vez que um Presidente americano vai a Angola.
Sim, é a primeira vez.
Os EUA perderam o interesse em África?
Na presidência de Trump, houve um afastamento não só relativamente a África, mas relativamente ao mundo. Os Estados Unidos estiveram presentes em África de forma muito ativa durante todo o período dos anos 1960, 1970, 1980. Acho que o desinvestimento foi mais com Trump. De resto, houve sempre algum interesse e alguma presença.
Esta visita de Biden é uma tentativa de retirar algum protagonismo à China?
Sim, parece-me que é sobretudo isso. Acho que há alguma inquietação da parte de uma certa inteligência americana relativamente à China. Com razão, porque a China ocupou posições no continente todo.
Todas as grandes infraestruturas africanas têm capital chinês.
Sim, mas os americanos também estão a investir muito, sobretudo em Angola, no corredor do Lobito, nos portos, etc. Há essa ideia, não sei se é verdade, de que os americanos pretendem construir uma base naval no sul de Angola, no Namibe. Corre essa informação já há algum tempo. Essa localização é importante do ponto de vista geoestratégico. Ainda por cima, Angola tem estabilidade política e até militar, algo que poucos países da região têm. O exército angolano hoje é independente, no sentido que não irá protagonizar ou apoiar golpes de Estado. Há muitos países africanos que têm exércitos muito frágeis, como acontece em Moçambique, ou cujos exércitos estão partidarizados. Esse não é o caso de Angola. Hoje, Angola é um dos países africanos mais sólidos do ponto de vista político.
Voltando à literatura. Que papel tem tido a literatura na identidade de Angola? Ajuda a espantar alguns fantasmas do passado?
A literatura, como em qualquer lugar do mundo, é um território de pensamento. E, no caso de Angola, esteve presente em todo o período de formação de movimentos independentistas. A literatura preparou o aparecimento dos movimentos políticos. E é por isso que os primeiros governos angolanos tinham uma alta percentagem de escritores e poetas. Esses escritores e poetas, antes de serem políticos, estiveram no movimento cultural, no movimento literário. A literatura serviu para preparar os movimentos independentistas, para acordar as pessoas. Acho que a literatura é muitas coisas ao mesmo tempo. É um território de debate. É uma forma de preservar memórias... é muita coisa ao mesmo tempo.
Ouvi-o dizer numa entrevista que os bons livros sempre trazem debate.
Um bom livro, um bom filme, uma boa peça de teatro, sempre traz debate. O que a arte faz é perturbar, é incomodar.
Que debate gostava que este livro levantasse?
Há muitos debates que um livro como este pode provocar. A questão dos nacionalismos internos, do nacionalismo ovimbundu e de como isso formou o país, por exemplo. Parece-me importante dar protagonismo ao centro, em Angola.
Houve algum livro que lhe tenha sido penoso de escrever?
Penoso, não. Há livros mais pesados. O "Barroco Tropical" é um livro muito denso, muito escuro, muito sombrio, porque foi escrito numa altura em que havia pouca esperança em Angola. A situação política era, de facto, terrível naquele tempo. Não havia muita luz. Os livros, obviamente, são testemunho da época em que foram escritos. Portanto, têm a luz ou a escuridão do tempo em que são escritos. Mas, no meu caso, todos os livros me trazem alegria, de uma maneira ou de outra. Mesmo os mais escuros.
E houve algum livro em que se sentiu condicionado, por causa da cultura do cancelamento, de que agora se fala muito na literatura?
Não. Zero. Nunca tive a menor preocupação. Para escrever é preciso ter liberdade absoluta. E a liberdade começa dentro de nós. Um escritor que está condicionado pelo que quer que seja, é melhor fazer outra coisa porque não vai produzir boa literatura. A boa literatura só é produzida por pessoas que estão em paz consigo mesmas e que não estão amarradas a nada. Um escritor é alguém livre. Se não for, não é um escritor.
Ainda escreve por prazer?
Eu só escrevo por prazer. Escrever dá-me uma grande alegria. É uma forma de felicidade.
Tem um sítio específico para escrever ou pode escrever em qualquer lugar?
Tenho de escrever em qualquer sítio, senão não escrevia, porque viajo muito. Claro que prefiro escrever na tranquilidade dos meus espaços, no meu escritório. Na Ilha de Moçambique, onde vivo, tenho uma grande tranquilidade. Ninguém me procura. Só a minha filha é que me interrompe. Mas posso escrever em qualquer situação.
Como é que se alimenta do ponto de vista intelectual? As suas viagens são importantes para isso? O contacto com o público e com outras culturas estimulam-no? Ou é mais enriquecedor a troca de ideias com amigos da literatura, como com Mia Couto? Troca inquietações de escritor com ele?
Acho que as inquietações devem ser partilhadas não apenas entre escritores, mas entre todos nós. Um escritor alimenta-se de tudo o que está à sua volta, das grandes inquietações globais. Mas é bom, às vezes, ter um amigo escritor, como a relação que tenho com o Mia, porque podemos trocar aquilo que estamos a escrever e, portanto, temos alguém que pode ler em primeira mão.
Trocam escritos e pedem opiniões um ao outro?
Sim. Para mim é muito importante. Esta ideia do editor que trabalha em conjunto com o escritor, não é muito popular no nosso universo da língua portuguesa. E faz falta, muita falta.
Como é que o escritor José Eduardo Agualusa olha para o mundo que temos hoje, que cheira a pólvora?
Para um escritor, todas estas inquietações são úteis. São matéria de literatura. Mas é um mundo inquietante, sim. A sensação que se tem é que vivemos tempos particularmente difíceis, conturbados. É um tempo de transformações muito rápidas. E, portanto, também é um tempo de resistência às transformações. Quando há transformações muito rápidas, há sempre movimentos de resistência. E depois existe um grau de imprevisibilidade. Mas, para quem escreve ou para um criador cultural, a inquietação é boa. Nós movemo-nos pela inquietação. Aliás, este é um momento em que está a surgir muita literatura interessante, também ao nível do cinema, das artes plásticas, etc. estão a surgir muitas coisas.