Notícia
O "tchau" da Oi
A Oi capitulou, arrastando com ela os investidores da Pharol e os obrigacionistas da antiga Portugal Telecom. O objectivo era construir uma gigante lusófona. Mas a dívida contraída para concretizar essa ambição acabou por levar ao desmoronamento financeiro da operadora.
"Poderemos aspirar a estar entre os melhores e entre os maiores", dizia Zeinal Bava. Uma empresa dona do seu destino e com um "futuro promissor", assegurava Henrique Granadeiro. Vamos "reforçar o desenvolvimento económico" em Portugal e no Brasil, prometia Ricardo Salgado. "Um excelente acordo para o interesse estratégico de Portugal", considerava José Sócrates. Seis anos após estas palavras, que marcavam o entusiasmo de uma aliança com a Oi, a história é a oposta, naquele que foi um dos maiores desastres empresariais da lusofonia.
A operadora brasileira, detida em 27,2% pela ex-PT (agora Pharol), capitulou, pedindo protecção contra credores. Agora, o futuro é incerto.
Foi o fim de uma ligação empresarial com condimentos de enredo de telenovela. Houve de quase tudo. Ambição, destino, traição, vilões e vítimas. Mas é uma história longe de ter um final feliz, cruzando escândalos políticos e empresariais em Portugal e no Brasil, com o desenlace a ser acelerado pela submersão da economia brasileira. Os accionistas da PT, que chegaram a ser donos de uma empresa com um valor de mercado bem acima de dez mil milhões de euros, têm agora direito a uma posição avaliada em 85 milhões de euros.
O Brasil promoveu a política de empresas campeãs nacionais. Nas telecomunicações, o Governo de Lula da Silva meteu as fichas todas na Oi. Para ganhar dimensão na luta no competitivo mercado de telecomunicações brasileiro, em que operam também a Vivo, a America Movil e a Tim, em 2009, a Oi entra em acordo para se fundir com a Brasil Telecom. O objectivo era criar uma "supertele verde e amarela". O Governo apadrinha o negócio, colocando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a financiar a transacção e alterando algumas legislações de forma a facilitar o negócio. Um dos rostos do poder na "supertele" era Sérgio Andrade, da Andrade Gutierrez, uma empresa que esteve envolvida no escândalo do Lava Jato.
Mas essa estratégia chegou com um custo, o da subida galopante da dívida para financiar esses negócios e fazer face aos pesados investimentos para ir a jogo. Em 2011, a empresa já dizia no seu relatório anual que "temos um endividamento substancial, o que poderá restringir a nossa flexibilidade financeira e operacional e causar outras consequências adversas". Ainda assim, a Oi mantinha-se como líder no fixo.
Adeus, Vivo...
No final da década de 1990, a ordem do Governo português para as empresas nacionais era a internacionalização, nomeadamente na CPLP. A PT fez do Brasil um vértice daquilo que mais tarde viria a ser conhecido pelo triângulo virtuoso (Portugal, Brasil e África) e que, nos últimos anos, tem dado muitos amargos de boca. Para ganhar músculo no Brasil, a PT, liderada à data por Murteira Nabo, aliou-se à Telefónica. Seria criada a Vivo em 2002, controlada em 60% pela Brasilcel, entidade detida a meias pela PT e pela Telefónica. Em 2009, o Brasil representava quase metade da facturação da empresa portuguesa.
Mas a guerra num dos maiores mercados de telecomunicações do mundo estava ao rubro e, neste tabuleiro, ou se tomava a acção ou se ficava para trás. A parceria na Vivo já não servia os interesses da Telefónica. A empresa abre uma batalha com a administração da PT e, apesar das resistências iniciais, convence os accionistas portugueses a venderem a posição na Brasicel.
... Olá, Oi
O negócio é travado pelo Governo Sócrates que usa a "golden share" para o bloquear. O então primeiro-ministro apenas deixaria passar a venda da Vivo se a PT continuasse no Brasil. Após conversações entre o Governo português e brasileiro e de accionistas dos dois lados do Atlântico, há um acordo, em 2010, para a entrada da PT na Oi. Dos 7,5 mil milhões de euros recebidos pela venda da Vivo, 3,75 mil milhões são para comprar 25,6%, em Março de 2011, da já endividada e ineficiente Oi. O resto foi para premiar accionistas. Para Lula, o negócio era uma "possibilidade de novos investimentos no Brasil" e um novo fôlego para a "supertele". Mas o então Presidente garantia que a empresa continuaria a ser "brasileira da silva".
A aliança entre PT e Oi ia-se aprofundando e, no mercado, especulava-se que o namoro iria acabar em casamento. Em Junho de 2013, Zeinal Bava assume a liderança da Oi e começa a preparar o terreno para a fusão, que iria criar uma gigante mundial. A dívida, essa, continuava a crescer, batendo no final desse ano nos 32,8 mil milhões de reais.
O "tchau" da Oi
Para consumar o casamento com a Oi, a PT entregou a Meo à empresa brasileira no aumento de capital de Maio de 2014. Em contrapartida, a Oi ficaria responsável pela dívida da PT. Mas pouco mais de um mês depois, é descoberta a "traição" da Rioforte, que resulta em condições menos favoráveis para os accionistas portugueses.
E a situação financeira da Oi piorava. Os altos custos da dívida provocavam prejuízos atrás de prejuízos, com a empresa a não conseguir dar seguimento aos investimentos para proteger a quota de mercado no Brasil. A venda da PT Portugal à Altice, que permitiu um encaixe de 5,6 mil milhões de euros, ainda deu um balão de oxigénio. Mas, dada a velocidade com que a Oi queimava dinheiro, rapidamente aquela bóia de segurança se esfumava.
Zeinal Bava, o mentor da gigante lusófona
Antigo CEO da PT e da Oi
O pontapé de saída do casamento entre a PT e a Oi foi dado por Zeinal Bava. O gestor, que figurou várias vezes na lista de melhores CEO da Europa, atravessou o Atlântico em 2013 para assumir a liderança da Oi
e começar a preparar a fusão. Quando a poderosa PT começou a desmoronar, Bava garantiu que não havia discutido a aplicação na Rioforte com Salgado e não tinha "memória" de ter sido informado.
O "mea culpa" de Henrique Granadeiro
Ex-CEO da PT
Depois do escândalo da Rioforte, Granadeiro foi o único a assumir parte da culpa pelo investimento na Rioforte, que levou à revisão da fusão com a Oi. "Isto que aconteceu foi o pior que podia acontecer à minha carreira. Liquidou a minha carreira", lamentou o gestor, que foi um dos defensores, a par com Menezes de Cordeiro, na altura presidente da mesa da AG da PT, o fim do acordo entre a dona da Meo e a Oi.
José Sócrates e a estratégia do Brasil
Antigo primeiro-ministro
Quando a Telefónica convenceu os accionistas da PT a vender a posição na Vivo, José Sócrates travou o negócio exercendo a "golden share". O então primeiro-ministro apenas aprovaria a venda se a operadora continuasse presente no Brasil, mercado que considerava estratégico. Após contactos com Lula da Silva, os dois Governos deram o aval à entrada da PT no capital da Oi, acordo alcançado em 2010.
Lula e a "supertele" "brasileira da silva"
Antigo Presidente do Brasil
O Brasil desenvolveu uma política de campeões nacionais em sectores estratégicos. Nas telecomunicações, a aposta foi na Oi, com bancos estatais a abrirem a torneira à empresa. Dada a ineficiência e a subida galopante da dívida da empresa, Lula mostrou-se satisfeito com a entrada da PT na Oi, na esperança de significar mais investimento. Mas avisou que a empresa continuava "brasileira da silva".
Rafael Mora e as renegociações
Administrador da Pharol
O co-fundador da Ongoing, que chegou a ser o sexto maior accionista da PT, tem sido o protagonista das negociações entre a Pharol e a Oi. Rafael Mora liderou a renegociação dos termos da combinação de negócios com a operadora brasileira em 2015. E, segundo a imprensa brasileira, terá batido o pé à proposta da Moelis, a qual iria diluir a participação da Pharol e terá contribuído para a saída de Bayard Gontijo.
Bayard Gontijo e a perda do leme da Oi
Antigo presidente da Oi
O gestor brasileiro, que substitui Bava na liderança da Oi, teve uma participação activa na combinação de negócios com a PT. Mas também na decisão da venda da dona da Meo à Altice para equilibrar as contas da operadora brasileira. Um objectivo que não conseguiu, dada a herança da avultada dívida, e que levou à sua saída depois das complicadas negociações
com os credores.