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Constâncio: "É impossível que o supervisor tivesse o poder de analisar todos os créditos"

Vítor Constâncio revelou as cláusulas do contrato entre Berardo e a Caixa. Assume que o Banco de Portugal não tinha poderes para aprovar os créditos. Nem tem de ter.

Mariline Alves
Negócios 16 de Junho de 2019 às 11:30
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Depois de pedir - e de ter obtido - ao Banco de Portugal o contrato de financiamento da Caixa Geral de Depósitos a Joe Berardo, Vítor Constâncio, ex-governador do Banco de Portugal, deu várias entrevistas - RTP e TSF - e escreveu dois artigos (um sob a forma de direito de resposta no Público e outro de artigo de opinião no Expresso) - para se defender da teoria de que o Banco de Portugal, na sua altura, autorizara o crédito de 350 milhões de euros a Berardo que se tornou ruinoso para a Caixa.

Vítor Constâncio obteve o contrato e divulgou as suas cláusulas, para atirar responsabilidades para a Caixa sob a forma como o crédito foi sendo vigiado, escreve a TSF.

Na entrevista à TSF/DN, divulgada este domingo, Vítor Constâncio refere no entanto que o contrato estava com cláusulas severas de garantias e que não era especificamente para comprar ações do BCP. Segundo revela, o contrato previa que o dinheiro fosse gasto em ações de títulos cotados em bolsa, que abrangiam nove empresas, entre elas o BCP. Mas incluía outras grandes empresas. Lembre-se que Berardo surgiu também com uma participação qualificada na PT, por ocasião da OPA lançada pela Sonae, tendo estado ao lado da gestão da operadora contra o grupo do Norte.

Constâncio assegura, por outro lado, que o contrato não estava pendente da decisão do banco de Portugal, de autorizar Berardo a reforçar a posição no BCP. "O contrato diz logo na primeira cláusula, numa das alíneas: a assinatura deste contrato e a assinatura de todas as obrigações dele decorrente (incluindo para a Caixa dar o crédito) não necessitam de qualquer autorização interna ou externa que não tenha sido devidamente obtida. Portanto, não havia nenhum condicionamento no contrato, que estava pendente de uma autorização de outro tipo, de dar ao requerente, à Fundação Berardo, os direitos de ser um acionista qualificado no BCP". Mas é aqui que entra o Banco de Portugal. Berardo que já tinha 3% do BCP tinha de pedir autorização ao Banco de Portugal para reforçar no banco. E nesse âmbito, explica o ex-governador, o supervisor tinha de: verificar a idoneidade do empresário e verificar se a fonte do dinheiro com que iria comprar as ações era lícita. E nesse momento ambas foram consideradas respeitadas. Aliás foi para comprovar a licitude da origem dos fundos que chegou ao Banco de Portugal o contrato de financiamento da Caixa, explica o mesmo responsável à TSF. "Portanto, foi verificado que os fundos tinham origem legal, a idoneidade. Não havia nada, nenhum registo contra a entidade, e a entidade tinha um balanço sólido".

Por outro lado, em relação às garantias do contrato, nomeadamente o facto de serem ações, Constâncio explica que era uma prática bancária e informa sobre três pontos escritos no contrato em relação às garantias. "O primeiro é o seguinte: todas as ações que fossem compradas com o empréstimo, de qualquer das nove empresas, tinham que ser dadas em penhor à Caixa como garantia do empréstimo e, permanentemente, todos os dias, a Caixa tinha o poder contratual de verificar se o valor das ações dadas em penhor no mercado era superior ou inferior ao dinheiro em dívida. Todos os dias. E se fosse inferior ao dinheiro em dívida, o contrato dava à Caixa o poder de, ou exigir mais ações ou outras ações". Outra condição: Ao fim de cada trimestre, o devedor tinha que assegurar que as ações em penhor em média dos três meses tinham um valor superior em 5% ao dinheiro que estivesse em dívida. "5% podem achar que é pouco, mas não é. Se a Fundação Berardo já tivesse utilizado 350 milhões do empréstimo, nessa altura, isso significa mais 17 milhões e meio de euros de ações que tinham que ser postas em penhor. Obviamente, para cumprir uma média de três meses, isso significa que todos os dias tinha que ter lá mais, porque não era só no último dia que podia cumprir uma média. Portanto, essa garantia era muito importante e significa que não é qualquer pessoa que pode pedir um empréstimo e que tenha depois meios de, no quase que as ações que comprou cm o empréstimo descerem de valor, ter de pôr lá outras ações que cubram o total da dívida".
E realça ser "impossível que se pretenda que o supervisor, em qualquer país, perante muitos bancos e dezenas de milhares ou milhões de operações, tivesse o poder legal de analisar todas as operações de crédito e dizer 'esta não é boa, agora faça favor de a anular'. Não pode, isso era inexequível. E não acontece em nenhum país, nem acontecerá porque não é exequível, pura e simplesmente. O que faz o supervisor, repito, é verificar se há riscos de perda, mandar cobrir esses riscos com provisões e garantir a todo o momento que a instituição tem os capitais próprios indispensáveis para cumprir os mínimos legais estabelecidos".

Constâncio não tem pois dúvidas que hoje em dia "com as mesmas informações da época sobre a idoneidade e a solidez financeira do requerente, teria tido o mesmo tratamento. E com as condições contratuais que permitiam que o credor cobrisse os seus riscos".

Sobre o designado "assalto ao BCP", Constâncio volta a acusar Filipe Pinhal de não ter credibilidade, lembrando, até, que este ex-gestor foi acusado pelo Banco de Portugal e CMVM por atos praticados no BCP. Sobre o papel do Banco de Portugal nessa mudança de poder no BCP, Constâncio defende-se: "A ideia de conluios pessoais é totalmente estranha a este universo. O Banco de Portugal só trata de questões de direito, não trata de questões de, como foi dito, de lutas de poder entre acionistas. Os acionistas têm as suas ações, têm os seus direitos".

Vítor Constâncio vai voltar esta semana à comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. 
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