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Caso Bial: UE prevê criar registo europeu sobre ensaios clínicos

Os problemas com o ensaio de molécula da Bial em França relançam o tema da transparência dos testes de novos medicamentos. A União Europeia actualizou legislação em 2014.

Paulo Duarte/Correio da Manhã
19 de Janeiro de 2016 às 19:39
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O ensaio clínico promovido pela Bial no laboratório francês Biotrial em que seis voluntários tiveram de ser hospitalizados, tendo um deles falecido no domingo passado, vem relançar o debate em torno da transparência deste tipo de testes.

"Existe uma forte pressão por parte dos 'stakeholders', desde a comunidade científica à comunidade médica, associações de doentes e até investidores, no sentido da divulgação pública dos resultados de ensaios clínicos", afirma Rita Roque de Pinho, sócia da sociedade de advogados Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, ao Negócios.

Enquadrando juridicamente o caso que envolve a farmacêutica portuguesa, a advogada responsável pelo departamento de Direito da Saúde da Cuatrecasas, lembra que em Abril de 2014 foi aprovada nova legislação a nível europeu – o Regulamento 536/2014 de 16 de Abril – que pretende responder a este problema.

As novas regras instituem a criação de um registo europeu "que será acessível ao público através do portal da União Europeia, onde deverá ser registada informação relativa aos ensaios clínicos realizados na Europa, incluindo informação sobre os resultados dos ensaios", especifica.

Porém, pormenoriza a advogada, "ainda não está em funcionamento tendo sido previsto no próprio Regulamento que tal não se iria verifica antes de 28 de Maio deste ano".

 

Por agora, sublinha, "não existe divulgação oficial e estruturada de informação sobre eventos adversos ocorridos em ensaios clínicos, nem sobre os montantes das indemnizações pagas aos participantes que tenham sofrido danos".

 

Ainda assim, Rita Roque de Pinho assegura que, quando os participantes registam problemas, "têm direito a ser indemnizados". 

 
No caso da Bial, vigora a lei francesa, já que os testes decorreram em França, com aprovação das autoridades locais. Mas a advogada indica que o tema dos ensaios clínicos "foi objecto de harmonização", entre os estados-membros da UE, pelo que "a lei francesa aplicável terá muitos aspectos em comum com o regime aplicável aos ensaios clínicos em Portugal".

 

Em território nacional, exemplifica, o lesado não tem de provar a culpa do promotor ou investigador de um teste para novos medicamentos. E a lei "consagra ainda uma presunção do nexo de causalidade", ou seja, "presumem-se causados pelo ensaio clínico os danos que afectem a saúde do participante durante a realização do estudo clínico e no ano seguinte à sua conclusão", segundo a Lei da Investigação Clínica.

"O valor da indemnização a pagar é aferido em função dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sejam sofridos pelo participante", detalha. No caso de morte, a indemnização "visa servir de compensação para os herdeiros e aqueles que teriam direito a receber alimentos do falecido, pela dor e sofrimento que lhe foi provocado", acrescenta.

Conclusões no final do mês

 

Com três investigações em curso, aguarda-se agora pelas conclusões para apurar eventuais responsabilidades. A ministra da saúde francesa, Marisol Touraine, já afirmou que é preciso "saber o que aconteceu, mas não há nenhuma razão para se interromperem os ensaios clínicos".

Por agora, os testes da nova molécula da Bial estão suspensos. Ainda não foram divulgadas quaisquer conclusões, mas deverão surgir até ao final do mês, prevê a ministra francesa.

Se ficar provado que os danos resultaram de má prática de algum dos agentes envolvidos, a entidade em causa incorrerá em responsabilidade civil. E, face ao que for apurado, pode surgir "eventual responsabilidade penal por prática do crime de homicídio negligente", alerta Rita Roque de Pinho.

Poderão também ser aplicáveis sanções administrativas, se se verificar incumprimento das normas dos ensaios clínicos.


Mas também pode perceber-se que não houve actuação negligente e que os danos advieram de riscos não previsíveis com a informação que existia.

Além da questão jurídica, a farmacêutica portuguesa poderá ainda enfrentar eventuais danos na sua reputação – que poderão ter reflexos no cluster da saúde português - analisa outro advogado ouvido pelo Negócios. Bem como eventuais dúvidas da classe médica e dos investigadores quanto a outras substâncias em que trabalhe, aponta.

De qualquer forma, também lembra que as companhias estão cobertas por seguros quando realizam testes clínicos, que incluem protecção aos voluntários.

Na semana passada, seis participantes, todos homens, com idades entre 28 e 49 anos, foram hospitalizados, depois de terem participado num ensaio clínico de fase 1 realizado pela francesa Biotrial para a farmacêutica Bial, em França.

Um deles, em morte cerebral há vários dias, acabaria por morrer. Os restantes cinco já terão apresentado melhoras.
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