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O que aconteceu no acidente trágico da Bial que corre o mundo?

A Bial é a empresa portuguesa mais falada no mundo nos últimos dias e não é por boas razões: um morto e risco de danos cerebrais irreversíveis para outros pacientes num teste clínico que pagava 1900 euros. O que se passou?

Amândia Queirós/Cofina
18 de Janeiro de 2016 às 11:46
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A notícia está a correr mundo tanto em publicações especializadas em medicamentos como nos principais títulos internacionais, do Guardian ao New York Times, passando pela imprensa francesa, país onde decorreram os testes clínicos de uma molécula em estudo pela farmacêutica portuguesa Bial, que resultaram na morte de um paciente e possíveis danos cerebrais irreversíveis noutros quatro.

A justificar a atenção internacional está a gravidade das consequências do teste conduzido pela empresa francesa Biotrial, mas também o facto de em testes desta natureza serem raros os acidentes tão graves, dizem especialistas ouvidos por várias publicações. O caso está a ser comparado ao acidente de 2006 em Londres, que ficou conhecido como o caso do "homem elefante" pelo inchaço causados nos pacientes – que sobreviveram após multiplas falhas em orgãos vitais, mas em alguns casos viram membros amputados.

Com pouca informação ainda disponível, a revista Forbes tenta explicar o desastre. A Bial, liderada por António Porttela (na foto) estava a testar um produto que visa reduzir a ansiedade e dores actuando sobre receptores neuronais (os mesmo que são activados pela canábis, por exemplo), conhecidos como inibidores da hidrolase de amida de ácido gordo. A descrição partilhada com os pacientes que participaram no estudo é a de que o medicamento serviria para "o tratamento de várias condições médicas da ansiedade à doença de Parkinson, mas também para o tratamento de dor crónica de esclerose, cancro, hipertensão ou tratamento de obesidade".

Na escala de testes clínicos, os testes clínicos de "Fase 1" são os primeiros que envolvem humanos – acontecem já depois dos produtos terem sido experimentados em animais – e visam testar – não a eficácia, mas sim – a segurança do medicamento através de doses crescentes (seguem-se três outras fases que analisam eficáciae alargam população visada). Os pacientes deste teste receberam 1.900 euros para participarem, relata a BioWorld.

Os testes começaram em Julho, contando com 90 voluntários. O acidente ocorreu com seis dos pacientes que aceitaram participar em doses crescentes a partir de 7 de Janeiro. A 10 de Janeiro surgiram os primeiros problemas num dos pacientes, seguiram-se os outros, e a 11 de Janeiro o teste foi suspenso, explicou a ministra da Saúde francesa que classificou o acidente como um evento "sem precedentes" e de "gravidade excepcional". Os testes terminariam a 1 de Fevereiro.

Está já a decorrer uma investigação, e tanto a Bial como a Biotrial garantem ter cumprido todas as regras, disponibilizando-se para colaborar com as autoridades. Na revista Bioworld, um título da especialidade" escreve-se que "qualquer que seja o resultado da investigação, é claro neste momento que os testes pré-clínicos de toxicidade conduzidos pela Bial foram tragicamente desadequados. Os modelos em animais foram incapazes de prever os efeitos desastrosos que os voluntários experimentaram".

Os riscos de passar o teste de animais para humanos são conhecidos e de difícil previsão. Uma das dúvidas que se coloca é a de saber se o teste ocorreu com a progressividade adequada (deve ser garantida sequencialidade na aplicação) para permitir identificar eventuais efeitos antes de seguir com o teste para outros pacientes, destaca a Forbes. Esta foi uma das lições do caso do "homem elefante" em Londres.

Um resultado tão trágico está a surpreender a comunidade cientifica no mundo inteiro: "mortes por toxicidade em Fase 1 são raros", diz ao New York Times Daniel Carpenter, um especialista na actuação da autoridade norte-americana que regula este tipo de testes que garante que não há casos destes "há muito tempo".

Este tipo de testes levanta também questões éticas: ao oferecerem pagamentos acabam por vezes por ser "aproveitados" por pessoas com menos capacidade financeira, destaca também New York Times: "muitos dos voluntários dos testes de Fase 1 são pobres e desempregados, e voluntariam-se para estes testes porque estão desesperados por dinheiro", afirmou ao jornal norte-americano Carl Elliott, um especialista em bioético da Universidade do Minnesota. O Público destaca que a Biotrial anuncia na sua página vários exemplos de voluntários noutros testes, entre eles um enfermeiro que juntou dinheiro para férias com a família e um reformado que busca um complemento de reforma. Em Portugal só é permitido o pagamento de despesas e prejuízos.

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