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Ensaios clínicos em Portugal envolvem quase 12 mil participantes

Desde 2008 que não havia tantos pedidos para testar novas substâncias em território nacional. Maioria são para medicamentos para o cancro, anti-infecciosos e para o sistema nervoso central.

23 de Janeiro de 2016 às 10:15
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Em Portugal, haverá quase 12 mil pessoas envolvidas em ensaios clínicos. Em território nacional, segundo a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) "estão actualmente autorizados para realização 361 ensaios", com um "número previsto" de 11.943 participantes.

Embora o regulador afirme não dispor "do número real de participantes incluídos", pormenoriza que, do total, 300 colaboram em 14 ensaios de fase I, a mesma em que estava o teste da molécula da Bial, que levou seis voluntários ao hospital – um dos quais viria a falecer – em França.

Nos últimos anos, o volume de pedidos para realizar ensaios clínicos em Portugal tem aumentado. Em 2015, de acordo com o instituto público, foram solicitadas 137 autorizações. Dessas, 123 foram concedidas. Estes números, os mais altos desde 2008, representam uma subida de 8% nos pedidos de autorização e de 3,3% nos casos que tiveram luz verde para avançar face a 2014.

Grande parte dos pedidos diz respeito a ensaios com substâncias para medicamentos antineoplásicos e imunomoduladores, anti-infecciosos e para o sistema nervoso central. E derivam sobretudo da indústria farmacêutica. Em 2015, das 137 autorizações pedidas, apenas 13 vieram de entidades académicas ou de cariz não-comercial.

Esta conclusão surgia já num estudo da PwC para a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), divulgado em 2013. "A maioria dos ensaios clínicos realizados em Portugal é promovida por empresas farmacêuticas multinacionais de I&D [Investigação e Desenvolvimento]", observava.

A consultora indicava que em 2012 – não há dados mais recentes – essas entidades tinham investido 36 milhões de euros nesta prática. Nesse ano, decorriam 379 ensaios. E a análise dos dados de empregabilidade revelou a existência de 1.086 profissionais a trabalhar neste âmbito. "Estima-se que a actividade de ensaios clínicos tenha sido responsável por um Valor Acrescentado Bruto global de 72 milhões de euros em 2012", lê-se no estudo.

Como se protegem os voluntários e as empresas?

Em Portugal, a realização de ensaios clínicos depende de pareceres positivos das comissões de ética competentes e da autorização do Infarmed, ao abrigo da Lei da Investigação Clínica.

Esta legislação advoga o primado da pessoa humana: "Os direitos dos participantes nos estudos clínicos prevalecem sempre sobre os interesses da ciência e da sociedade". E estabelece "condições mínimas" de protecção dos voluntários. Além do seu consentimento informadoobriga à existência de um seguro que cubra a responsabilidade civil do promotor e do investigador. E não permite incentivos ou benefícios financeiros, mas apenas o reembolso de despesas ou prejuízos sofridos com a colaboração no ensaio.

"A legislação portuguesa, apesar de exigir um seguro de responsabilidade civil, e ao contrário de outros países, não define as condições de seguro ao nível das suas coberturas ou limites de indemnização", explica Luís Teixeira, gestor da área de saúde da AON, corretora de seguros. São o promotor e o investigador que estipulam que coberturas pretendem, e que podem incluir custos com defesa judicial ou para comunicação em períodos de crise.


Já as seguradoras avaliam o risco com base no protocolo do ensaio, o documento que descreve pormenorizadamente toda a investigação e que também é submetido aos reguladores.

"Mediante a avaliação técnica do risco é calculado um custo do seguro, normalmente um valor fixo por participante. Este valor depende muito do risco – tipo de produto, dimensão e caracterização da amostra, local do ensaio, país –, mas poderá representar algumas dezenas ou centenas de euros por participante", continua o responsável da corretora de seguros.

No início do ano passado, a AON e o Health Cluster Portugal, entidade que inclui várias empresas do sector da saúde e que tem como presidente da direcção o "chairman" da Bial, Luís Portela, fecharam uma parceria quanto aos seguros de responsabilidade civil de ensaios clínicos no país.

"O custo do seguro também varia em função do limite de indemnização pretendido por cada organização que pode variar de centenas de milhares de euros a alguns milhões", detalha Luís Teixeira.

A nível mundial, há enquadramentos jurídicos mais e menos apertados quanto aos seguros obrigatórios para testar novos medicamentos. Na União Europeia, a maioria dos países impõe indemnizações se surgirem danos que afectem a saúde do participante durante o estudo clínico e no ano seguinte à sua conclusão. França, Itália, Alemanha e Polónia definem limites que podem superar os cinco milhões de euros. Já nos EUA, não há qualquer obrigatoriedade.

Em Portugal, cabe ao Infarmed monitorizar a segurança da utilização experimental de medicamentos, fiscalizando o cumprimento das boas práticas clínicas na condução de ensaios clínicos. O Negócios questionou este instituto público sobre o número de acções de fiscalização realizadas no país, mas não obteve resposta.

O CASO BIAL
Protocolo do ensaio divulgado Para apurar o que aconteceu com a molécula experimental BIA 10-2474, que estava a ser testada nos laboratórios da Biotrial, em França, estão em curso três investigações, cujas conclusões deverão ser conhecidas até ao final do mês, como já assegurou a ministra da saúde de França, Marisol Touraine.

O caso que envolveu a farmacêutica portuguesa trouxe à ordem do dia o tema da investigação clínica. Na sexta-feira, o diário francês Le Figaro divulgava em exclusivo o protocolo da Bial que guiou o ensaio e pediu a três especialistas não identificados que o analisassem. Na opinião publicada surgem críticas à Agência Nacional de Segurança do Medicamento francesa e à forma como a Bial conduziu a investigação.

Entretanto, os cinco voluntários que tinham sido hospitalizados, todos homens, entre os 28 e os 49 anos, já tiveram alta

Em Portugal, não há registo de casos de mortes associadas a reacções adversas medicamentosas em ensaios de fase I, assegura o Infarmed.



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