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O dia em que a Catalunha proclamou a independência e perdeu a autonomia
Ao fim de quase um mês de indefinição após os resultados do referendo de 1 de Outubro, o parlamento catalão declarou a independência e o governo de Madrid activou o artigo 155.º. Tudo no mesmo dia - o 27-O.
Após dias de avanços e recuos, de notícias confirmadas e por confirmar, esta sexta-feira dia 27 de Outubro confirmou o há muito esperado e não menos temido "choque de comboios".
As autoridades governamentais da Espanha e da Catalunha (Generalitat) embateram de frente. O parlamento catalão proclamou unilateralmente a independência e Madrid respondeu pondo em marcha o mecanismo constitucional que lhe permite suspender a autonomia catalã.
Na quinta-feira, dada a ausência de garantias do governo de Rajoy em como suspenderia o artigo 155.º se Carles Puigdemont convocasse eleições autonómicas antecipadas, o dirigente catalão desistiu do único caminho que poderia travar aquele normativo constitucional. O que tornou quase inevitável a radicalização, por sua vez instigada pelos partidos independentistas que já chamavam "traidor" a Puigdemont por este não prosseguir o mandato conferido pelo referendo de 1 de Outubro (1-O).
Puigdemont tinha de optar entre dois cenários: recuar e marcar eleições, implodindo um bloco independentista (PDeCAT, ERC e CUP) que exige a via da desobediência; ou declarar a independência e sofrer as consequências do discricionário artigo 155.
Em todo o caso, os responsáveis pelas acções desafiadoras de Madrid e desrespeitadoras da Constituição enfrentariam consequências penais, com acusações de crimes de rebelião e sedição à cabeça.
Ao optar pela segunda via, Puigdemont e o respectivo governo vêem-se agora afastados do poder e a Catalunha terá eleições no final do ano. Oportunidade que o campo soberanista poderá aproveitar para tentar fazer deste acto eleitoral um plebiscito à independência.
Foi o que aconteceu nas eleições de 2015 (27-S), que garantiram uma maioria absoluta parlamentar aos partidos independentistas, embora essa vitória não se tenha traduzido numa maioria absoluta dos votos, o que fragilizou a pretendida legitimação da secessão nas urnas. Apesar de o boicote às eleições convocadas por Madrid ser uma possibilidade em cima da mesa, embora arriscada porque enfraqueceria a ala soberanista representada no próximo parlament.
Sem maioria, a coligação Juntos pelo Sim (PDeCAT, na altura Convergência Democrática da Catalunha, e Esquerda Republicana da Catalunha) passou a depender do apoio dos 10 deputados da CUP, tornando-se em certa medida refém da via de ruptura defendida por este partido anti-sistema, herdeiro do histórico anarquismo catalão.
A CUP acredita que a reacção de Madrid poderá alimentar uma vaga de fundo independentista na Catalunha, hoje com uma sociedade que as sondagens mostram estar partida ao meio entre quem quer uma república independente e quem quer continuar no reino de Espanha.
O desfecho do processo independentista é assim impossível de prever, podendo as eleições autonómicas de 21-D (21 de Dezembro, marcadas esta sexta-feira por Madrid) reforçá-lo ou enfraquecê-lo. Talvez mais do que nunca, o futuro da Catalunha vai também jogar-se nas ruas, com manifestações pró e anti independência.
Sendo certo que o eventual recurso de Madrid à repressão policial favorecerá aqueles que defendem a independência e já utilizam os "Jordis" (líderes da ANC e Òmnium Cultural, detidos acusados de sedição) como mártires da causa soberanista. Havendo ainda margem para adensar da carga dramática com as prováveis acusações aos governantes e parlamentares envolvidos nas decisões que violaram a Constituição. As imagens vão contar muito.
Mas mesmo com tanta incerteza não parece arriscado dizer que o histórico independentismo catalão não vai cruzar os braços. Pelo seu lado, os partidos do arco constitucional (PP, PSOE e Cidadãos) deverão apostar na acordada disponibilidade para uma reforma constitucional "federalizante".
Todavia, será preciso saber de que bloco - independentista ou unionista - sairá o próximo interlocutor que Rajoy encontrará na Generalitat a partir de Janeiro. E perceber se então haverá finalmente vontade recíproca para dialogar e deixar os imobilismos de lado.