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Brasil sacudido pelo que promete ser o maior escândalo de corrupção da sua história (act.)

Dirigentes das nove maiores construtoras brasileiras, entre as quais a Camargo Corrêa, dona da Cimpor, e a Odebrecht, foram presos por suspeita de participação numa teia de corrupção e de desvio de verbas centrada na Petrobras e que envolve o PT e seus aliados no Governo, o PP e o PMDB. Dilma diz que o Brasil nunca mais será o mesmo. FHC diz que é uma vergonha.

Bloomberg
Eva Gaspar egaspar@negocios.pt 17 de Novembro de 2014 às 15:13

Quase duas dezenas de dirigentes das nove maiores construtoras brasileiras, entre as quais a Odebrecht e a Camargo Corrêa, dona da Cimpor, foram detidos neste fim-de-semana. As detenções surgiram na sequência de uma operação sem precedentes desencadeada pela Polícia Federal no âmbito da investigação "Lava Jato" que está a tentar desmontar o que se suspeita ser uma enorme teia de corrupção e de desvio de dinheiro público centrada na Petrobras, a petrolífera controlada pelo Estado brasileiro, através da qual terão sido desviados 10 mil milhões de reais (cerca de três mil milhões de euros) designadamente para "agentes políticos" ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) da presidente Dilma Rousseff e de Lula da Silva e aos partidos que têm sido seus aliados no governo, o PP e o PMDB.

 

A mega-operação levou à detenção simultânea de executivos e funcionários da Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e Iesa Óleo e Gás. Foi ainda preso Renato Duque, ex-director da Petrobras – empresa que, ainda na sexta-feira, se viu forçada a adiar a publicação dos seus resultados trimestrais por falta de auditor disponível para os comprovar. A estatal brasileira, que tem cerca de 40% do capital disperso e cotado na Bolsa de São Paulo e de Nova Iorque, está a ser também investigada nos Estados Unidos por alegado envolvimento em pagamentos ilícitos.

 

Segundo a imprensa brasileira, a operação envolveu 300 agentes da Polícia Federal e foi levada a cabo em vários Estados do país – entre os quais São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte – tendo os suspeitos sido levados para Curitiba, no Estado do Paraná, onde está situado o comando das investigações. Foram emitidos 19 mandados de prisão temporária, quatro de prisão preventiva e congelados 720 milhões de reais (perto de 222 milhões de euros) de pessoas sob investigação.

 

As construtoras são suspeitas de pagarem "luvas" a altos funcionários da Petrobras para terem acesso aos negócios bilionários da petrolífera desde pelo menos 2010, ainda corria na justiça o caso "Mensalão". De acordo com a imprensa brasileira, as investigações da Polícia Federal apontam para que "as maiores empreiteiras do país formariam uma espécie de cartel, definindo previamente as vencedoras das licitações da Petrobras, o que lhes permitia cobrar o preço máximo da empresa estatal, e que pagavam um percentual, de 3% ou 2%, sobre o valor dos contratos a agentes públicos". Estas nove empresas têm contratos activos com a Petrobras que se elevam a 59 mil milhões de reais.

 

Contudo, segundo as versões de Paulo Roberto Costa, um antigo director da estatal (da área de abastecimento) e do cambista ("doleiro") Alberto Youssef – ambos presos há já alguns meses e que concordaram cooperar com a justiça ao abrigo de um processo de delação premiada – essas "luvas" não eram propostas pelas empresas mas exigidas por altos funcionários da Petrobras e destinavam-se a "agentes políticos", designadamente do Partido dos Trabalhadores (PT) da presidente Dilma Rousseff e de dois seus partidos aliados, o PMDB e o PP. "As empresas, principalmente as grandes, ficavam reféns. Ou participa [no esquema de subornos] ou não tem obra", afirmou Youssef às autoridades policiais.

 

Em declarações ao "Folha de São Paulo" desta segunda-feira, 17 de Novembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, diz acreditar que os dirigentes destas empresas, que estão entre as maiores e politicamente mais influentes do Brasil, vão agora também procurar acordos de delação premiada com a Justiça para tentar reduzir as eventuais penas. "Isso é um rastilho de pólvora. Quando um começa a falar, o outro diz: 'Vai sobrar só para mim?' E aí eles começam a falar mesmo", disse ao jornal, acrescentando que os indícios apontam para a existência de uma "quadrilha" que operava um esquema de desvio de recursos a partir do interior da Petrobras.

 

Sobre os crimes que teriam sido cometidos pelas empreiteiras, o procurador diz que se trata de "fraude em licitação, lavagem de dinheiro, crime contra o mercado e corrupção activa" – e não apenas passiva. "As empreiteiras diziam que eram alvo de concussão [exigência de dinheiro pelos funcionários da estatal]. Se puder me explicar como fraude à licitação decorre de concussão, eu concordaria com a tese. Como a concussão te obriga a fazer um cartel, fraudar uma licitação e ganhar um dinheirão? Está sendo extorquido para ganhar dinheiro?", questiona Janot.

 

De acordo com o jornal "O Globo", além da Petrobras, a Polícia Federal está também a investigar se o esquema de lavagem de capitais que era operado pelo "doleiro" Alberto Youssef se estendia à Eletrobrás. Essa informação já havia sido divulgada pelo "Valor Econômico" no final de Outubro, tendo na altura a empresa declarado ao mercado desconhecer qualquer diligência policial. As acções da eléctrica, que é também controlada pelo Estado brasileiro detendo o banco norte-americano JP Morgan 7% do capital, recuaram hoje quase 8,5%. As da Petrobras cederam 4,2%.

 

Em declarações à imprensa nesta segunda-feira, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, repetiu que os controlos internos da empresa serão reforçados e disse que, de momento, não há motivos para anular contratos com as construtoras suspeitas de corrupção. "Não vamos interromper contratos com a SBM [empresa holandesa especializada em prospecção de petróleo off-shore que está sob investigação em Haia por alegadamente ter pago subornos no Brasil] nem com outras empreiteiras trabalhando connosco até que tenhamos informações que sejam tão avassaladoras que justifiquem que encerremos contratos", disse Foster, citada pela revista Veja.

 

Dilma diz que impunidade não mais vencerá; oposição acusa-a de hipocrisia

 

Na Austrália, onde esteve a participar na cimeira do G20, a presidente Dilma Rousseff  dissera na madrugada de domingo que este é um "caso histórico" sobretudo porque – garante - vai ser investigado "até ao fim". "Eu acho que isso pode, de facto, mudar o país para sempre. Pode mudar o País no sentido de que vai se acabar com a impunidade. Essa é, para mim, a característica principal dessa investigação. É mostrar que ela não é algo 'engavetável'", disse. Este escândalo, prosseguiu, "não é o primeiro; agora, ele é o primeiro escândalo investigado, o que é diferente".

 

Já a oposição, em particular o PSDB fundado pelo antigo presidente Fernando Henrique Cardoso, alega que com grande probabilidade a Presidente sabia do esquema de financiamento oculto de partidos que operava na Petrobras, até porque Dilma Rousseff  foi presidente do Conselho de Administração da petrolífera até 2010.

 

"Como brasileiro, eu tenho vergonha. (…) Não venham dizer que quando fizemos a quebra do monopólio (do petróleo) era para privatizar a empresa. Não. Era para evitar que ela caísse, como caiu, nas garras dos partidos desonestos. E que se transformasse no uso do dinheiro do povo para fins político-partidários", criticou Henrique Cardoso, ao acusar ainda a presidente de querer simultaneamente violar lei quadro do Orçamento para mascarar os resultados da "má governação".

 

Em ano de eleições, o Governo acumulou até Setembro o maior défice primário desde 1997, quando prometia chegar ao fim do ano com um excedente primário equivalente a 1,9% do PIB. Os números actualizados da execução orçamental foram divulgados uma semana depois das eleições presidenciais que resultaram na reeleição de Dilma Rousseff e na derrota de Aécio Neves, senador do PSDB, pela mais curta margem da história eleitoral brasileira. Na sequência, a presidente pediu ao parlamento que desconsidere o essencial do investimento público para efeitos de avaliação do cumprimento das metas orçamentais. O presidente do Tribunal de Contas fala em "atropelo"; a oposição avisa que não respeitar a lei do Orçamento pode dar demissão.

 

 

(notícia actualizada pela segunda vez às 19h30 com informação sobre alegado envolvimento da Eletrobrás, cotações de fecho das empresas citadas e declarações da presidente da Petrobras)

 

 

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