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Passos critica “concepção infantil” de quem pede à Europa menos dívida para se endividar

"Ninguém aceitaria uma Europa em que uns poupam para que outros possam gastar”, afirmou o primeiro-ministro, numa referência implícita ao manifesto dos 70 que considera remeter para uma "Europa que não existe, nem existirá e ainda bem".

24 de Março de 2014 às 15:00
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O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho admitiu nesta segunda-feira, 24 de Março, a possibilidade de, no futuro, a Zona Euro se dotar de um fundo comum de amortização de parte da dívida pública dos seus Estados. Mas, frisou, este não servirá para que os países mais endividados possam voltar a ter défices e contrair mais dívida. Pelo contrário: um fundo comum servirá para ajudar a acelerar a redução do endividamento.

 

“É possível que um dia estes mecanismos existam. Mas não é para que os países mais endividados possam ter mais dívida, é para que a possam reduzir mais depressa”, afirmou, em Viseu, na sessão de abertura das jornadas parlamentares sociais-democratas, que decorrem até terça, e que têm como lema "Portugal pós-troika, compromisso e sustentabilidade".

 

Ainda numa alusão implícita ao manifesto que pede a reestruturação da dívida pública portuguesa e que apela à mutualização europeia do montante acima de 60% do PIB, Passos Coelho disse que quem só pede coisas aos outros tem uma “concepção infantil, nem sequer é política, da Europa”.

 

“Estão a falar de uma Europa que não existe, nem existirá e ainda bem, porque ninguém aceitaria uma Europa em que uns poupam para que outros possam gastar”.

 

Segundo o manifesto assinado por 70 personalidades de vários quadrantes políticos, por iniciativa do antigo ministro socialista João Cravinho, Portugal deve bater-se no quadro europeu pela reestruturação da sua dívida pública, que ascende actualmente a quase 130% do PIB, através da obtenção de juros mais baixos, prazos de amortização mais alargados e pela mutualização do risco de reembolso do montante da dívida que excede os 60% do PIB.

A ideia de criar um fundo comum para garantir solidariamente a amortização de parte da dívida pública dos países do euro foi lançada em Novembro de 2011 pelo conselho de peritos económicos que assessora o Governo alemão. Em Dezembro de 2012, foi levada aos líderes europeus, depois de ter sido integrada no "roteiro" dos quatro presidentes destinado a criar uma "verdadeira união económica e monetária". Posteriormente, a Comissão Europeia nomeou um grupo de onze peritos, entre os quais figura o economista Vítor Bento, e pediu-lhes para identificar os "possíveis méritos e riscos, os requisitos jurídicos e as consequências financeiras" de expedientes de mutualização de dívida. O relatório terá de ser entregue até ao fim deste mês de Março.

 

Nos termos propostos pelos "sábios" alemães, o "fundo de amortização" absorveria a dívida pública acima dos 60% do PIB de todos os países da Zona Euro, desde que não abrangidos por planos de resgate, comprometendo-se estes a pagá-la num período de 20 a 25 anos. As responsabilidades assumidas pelo fundo facilmente ascenderiam a valores tremendos: 2,3 biliões de euros era a sua estimativa em 2011. Mas o fundo seria "temporário" (um quarto de século é um período longo, mas finito, o que ajudaria a encaixá-lo designadamente na Constituição alemã) e seria suportado por garantias reais dos países (reservas de ouro, por exemplo).

Inspirado na reestruturação da dívida dos EUA pensada em 1790 por Alexander Hamilton, então secretário de Estado do Tesouro, a maior vantagem de um fundo comum destinado a partilhar o risco de reembolso de parte das dívidas públicas é que permitiria criar uma classe de activos seguros com impacto positivo nos balanços da banca. Ajudaria, assim, a travar a espiral perversa de risco que se instalou entre bancos e soberanos e que está a tentar ser combatida com a edificação da União Bancária.

O acesso a esse fundo obedeceria a vários requisitos. Os Estados teriam de inscrever um travão ao endividamento nas Constituições e assumir o pagamento prioritário dos títulos de dívida garantidos conjuntamente, pelo que cada país teria de consignar uma receita específica (uma parte do IVA ou do IRS/IRC) para garantir esse pagamento. Todas estas exigências favorecem o cumprimento do Tratado Orçamental, que impõe a redução da dívida para o limite de 60% ao (exigente) ritmo anual de um vigésimo da diferença entre o seu valor efectivo e este limite, e fixa a regra de ouro de Orçamentos equilibrados. Um fundo de amortização da dívida não significaria, assim, menos esforço de austeridade, mas poderia dar garantias acrescidas desta poder ser realizada num contexto de maior estabilidade financeira, com menores riscos.

 

Este é um projecto que possivelmente só tem alguma probabilidade de ver a luz do dia no fim da década, mesmo contando com o empenho de dois fortes candidatos a presidente da Comissão, o conservador luxemburguês Jean-Claude Juncker e o socialista alemão Martin Schulz, que há muito defendem que alguma coisa deve ser feita no sentido da partilha de riscos no crédito público. O prazo dilatado deve-se à provável necessidade de alterar Tratados e de os fazer aprovar, modificados, pelos parlamentos nacionais ou em referendos, o que é sempre sinónimo de processo longo de desfecho incerto.

 

(Notícia actualizada às 15h20)

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