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Matar os mensageiros

Haverá os que continuarão sempre a negar a evidência de que o estado solidário terá novas formas de prover à redistribuição. Haverá, em suma, muitas opiniões diferentes dentro desta unanimidade mas é mesmo isso que lhe dá força.

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O dia ontem começou cheio de lamúrias por os nossos líderes, o efectivo e o alternativo, terem acabado uma cimeira de três horas agarrados à ladainha que repetem desde que Pedro Passos Coelho passou a estimar o consenso e o PS foi obrigado a passar para o outro lado do espelho, antes que o abraço de urso deixasse tudo à mostra antes de tempo.

 

Curiosamente, boa parte das carpideiras do desencontro são as mesmas que, a semana passada se esmeraram a perorar, com todos os cardos, sobre os protagonistas, a oportunidade, o conteúdo e o meta conteúdo do manifesto de 70 personalidades que sugeriram dar sequencia as constatações do senhor Presidente e dos nossos credores, propondo a reestruturação da divida portuguesa.

 

Passados estes dias, talvez valha a pena continuar o debate sobre a única ideia séria, partilhada e divergente que nos foi oferecida à reflexão no último par de anos.

 

E começar por notar que ninguém veio verdadeiramente dizer que a divida é sustentável como está. Ou seja, ninguém ataca verdadeiramente a constatação primeira do manifesto. Ninguém acredita no crescimento real de 2% até 2035. Factos são o que são e, curiosamente, dias antes foram sublinhados, com uma cruel ironia, no prefácio dos discursos do Sr. Presidente.

 

O que não vale a pena, voltando à sequência arriba, é comentar o que se disse sobre os protagonistas. Quando a ideias se reponde "ad homine", isso, por si, caracteriza quem o faz. Mais ninguém. Quem insinua que os subscritores são uns velhinhos preocupados com a reforma ou coisa que o valha, vale pouco para esta conversa.

 

Ainda, com boa dose de farisaísmo, veio depois o argumento da oportunidade. A dois meses da saída, os mercados vão achar que somos uns rabinos e lá se vai aquela taxa de juro que precisamos baixe todos os dias nos próximos quarenta anos. Tenham dó. A crise politica grave do verão do passado não buliu com os juros, quanto mais a prova de vida inteligente neste rectângulo...

 

Se há coisa que os senhores que tanto escrevem sobre economia deviam ter reparado é que o tem feito mudar de humor o Bojador dos empréstimos não é o vigor dos nossos timoneiros, nem os relógios do Dr. Portas. É indiferente o que fazemos? Com certeza que não, basta ler que afinal todos concordam que as reformas verdadeiras ficaram por fazer. Mas se, em véspera de eleições europeias, não podemos discutir o futuro crise europeia e a utilidade do fundo europeu de estabilização, vale mais pedir asilo ao rei das toupeiras e deixar de pensar nisto. Tudo.

 

O terceiro e o quarto argumento contra o manifesto são, aparentemente, mais sérios. Não resolve o problema e vai impedir o caminho disciplinador que estávamos finalmente a aprender.

 

Aparte a chalaça de 130% do PIB em divida serem o caminho da consolidação orçamental, é aqui que a excitação mais atraiçoou a razão dos argumentos invocados. O nervosismo de ter de debater uma alternativa levou às mais mirabolantes interpretações do que não está no texto. A uma lenga lenga tola e maniqueísta de cigarras e formigas.

 

Claro que reestruturar a dívida não resolve por si os nossos problemas, claro que dificilmente as pessoas que subscrevem o manifesto podiam partilhar uma ideia comum sobre as reformas estruturais que os credores recordam ao Governo não foram feitas. Haverá os que quererão fomentar o investimento público e o seu contrário. Haverá os que continuarão sempre a negar a evidência de que o estado solidário terá novas formas de prover à redistribuição. Haverá, em suma, muitas opiniões diferentes dentro desta unanimidade mas é mesmo isso que lhe dá força. A inevitabilidade. É como a água, encontra sempre o seu caminho. Pela minha parte, obrigado. Ainda acho que disto, da discussão das alternativas, se faz a democracia.

 

Advogado, militante do PSD

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