Opinião
Social-democracia a rodos
Ao contrário do que escrevem muitos "pundits", a concorrência entre o Bloco e o PCP não se fará com recurso à via revolucionária, mas sim com recurso à via reformista.
O Bloco de Esquerda descobriu, na noite das eleições, a via para a social-democracia. E a via descoberta foi quase revolucionária quebrando uma tradição de quarenta anos (mais do que os que conta o Bloco, menos do que os que contava a UDP e os progenitores do PSR: a Liga Comunista Internacionalista e o Partido Revolucionário dos Trabalhadores). A tradição quebrada permitiu, recentemente e pela vez primeira, a aprovação na generalidade por toda a esquerda parlamentar de um Orçamento do Estado.
Dirão aqueles que das consequências das crises dos quarenta têm conhecimento prático, que o Bloco descobriu tarde o caminho para a social-democracia. Na verdade, é um caminho que se faz aprendendo e ainda falta ao Bloco a dimensão empírica da coisa.
Não porque lhe falte vontade. O Bloco só não abraçou o trabalho da governação porque o PCP, assustado com a ousadia de Outubro, aceitou o repto de apoiar um Governo minoritário do PS, mas não admitiu nunca integrar aquilo que viria a ser o XXI Governo Constitucional.
Sucede que os medos do PCP não têm parado de crescer desde as eleições presidenciais uma vez que o candidato oficial da Soeiro Pereira Gomes ficou muito aquém dos piores resultados de sempre do PCP. O PCP não está virado para eleições, muito menos para eleições nos próximos tempos.
E não há, também, de momento, qualquer possibilidade de apostar na via revolucionária na versão da luta de massas e da cornucópia de greves patrocinada pela Intersindical. Para quem ainda não tinha percebido o programa das festas para os próximos tempos basta ler a entrevista dada esta segunda-feira por Arménio Carlos titulada na primeira página do i: "Vamos ser reivindicativos mas não é para destruir." 'Tá bem, abelha.
Ao contrário do que escrevem muitos "pundits", a concorrência entre o Bloco e o PCP não se fará com recurso à via revolucionária, mas sim com recurso à via reformista.
O Bloco descobriu a social-democracia e, possuído pela curiosidade, quer descobrir a governação, e quer descobri-la em primeira mão, não quer ficar a olhar pelo buraco da fechadura. Quem se lembra hoje que foi este Bloco de Catarina Martins que expulsou todos os que se queriam aproximar do PS de Rui Tavares a Ana Drago?
E assim, muito ao contrário do que se tem escrito, o dr. Costa gozará, enquanto primeiro-ministro, de muita tranquilidade nos próximos tempos. Na noite das eleições só se lembrou do primeiro César de Suetónio: "É mais difícil fazer descer o primeiro cidadão do Estado do primeiro para o segundo lugar que do segundo para último"... Mas hoje, quando até na nacionalização do Novo Banco se encontram afinidades entre dirigentes dos dois partidos, parece fácil continuar uma ladainha para entreter e fazê-los votar mais até do que este Orçamento acabou por ser.
Tudo razões para a oposição repensar a sua estratégia até agora assente no curto prazo, e trabalhar no estudo e redacção de um programa político capaz de convencer os portugueses. Passos Coelho anda entusiasmado com a descoberta da social-democracia eterna. Infelizmente falta muito para que a social-democracia descubra Passos Coelho. E a culpa, mesmo depois dos quarenta, não é da Senhora.
P.S.: Este é, para já, o meu último escrito regular no Negócios. Agradeço muito à Helena Garrido - que tanto ensina pelo exemplo - a oportunidade de pintalgar com os meus arrazoados este jornal que é sempre o primeiro que leio pela manhã.
Advogado