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BPN: Uma factura passada há sete anos em que os custos ainda são desconhecidos

Os quadros de Miró, que pertenciam ao BPN, continuam a ter um ponto de interrogação no seu futuro. E são o exemplo de que ainda não é possível calcular quais os encargos que o Estado terá com o banco nacionalizado a 2 de Novembro de 2008.

Pedro Elias/Negócios
02 de Novembro de 2015 às 10:50
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"Podem os portugueses estar tranquilos, pois o Governo tudo fará para impedir que os seus depósitos sejam colocados em risco". Foi uma das frases ditas há sete anos. Fernando Teixeira dos Santos, ao lado do então governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio, anunciou a nacionalização do Banco Português de Negócios. Era 2 de Novembro de 2008. Os depósitos foram salvaguardados mas, exactamente, sete anos depois, os custos do escândalo BPN, desde a fraude à nacionalização e posterior venda, ainda são uma incógnita.

 

Há já certezas: todos os anos, a factura com o BPN aumenta. O Tribunal de Contas é a entidade que vigia as contas da nacionalização e reprivatização da instituição financeira fundada em 1993, na sequência da fusão das sociedades Soserfin e Norcrédito, e faz essa análise anual. Aquando da nacionalização, foi indicado que o banco, enredado por estranhos financiamentos e com uma contabilidade alternativa, tinha 700 milhões de euros de dívida. O encargo final seria – e será – bastante superior.

Os números 
O BPN foi nacionalizado em 2008. Tinha, então, 700 milhões de euros de dívida. Em 2011, foi vendido ao BIC por 40 milhões. Até 2014, a nacionalização do banco já tinha custado 2,7 mil milhões. Mas as sociedades com activos tóxicos tinham mais 2,3 mil milhões de euros de capitais próprios negativos - custos que deverão ficar para o Estado. No Parlamento, a estimativa era a de que as perdas, no limite, poderiam ascender a 6,5 mil milhões de euros.



Certo é que, para a comissão parlamentar de inquérito de 2012 (já houve duas), os custos para o Estado e para os contribuintes são a parte mais significativa "da gestão ruinosa e fraudulenta" do banco em que Oliveira Costa (que depôs no Parlamento sob escolta policial). Uma gestão que ainda está em julgamento. Mas, antes da justiça, a economia.

Os custos já assumidos

"O Tribunal de Contas, desde 2008 e no âmbito do parecer sobre a Conta Geral do Estado, tem feito o levantamento dos custos orçamentais da intervenção do Estado no BPN. Para o efeito, realiza diligências junto do Ministério da Finanças e das sociedades Parups e Parvalorem", indicou ao Negócios o organismo que vigia as contas do Estado em Setembro quando questionado sobre a análise em torno deste banco que escondeu prejuízos através de "off-shores" e do Banco Insular, em Cabo Verde.

 

As avaliações feitas pelo Tribunal de Contas, até há pouco tempo liderada por Guilherme d’Oliveira Martins (que saiu em direcção à Fundação Gulbenkian), indicavam que, no final de 2014, "o saldo acumulado das receitas e despesas orçamentais decorrentes da nacionalização e reprivatização do BPN, bem como da constituição e funcionamento das respectivas sociedades-veículo Parvalorem e Parups ascendia a -2.691,2 milhões de euros". Perto de 2,7 mil milhões de euros perdidos com o BPN no final de 2014.  

 

As dúvidas dos encargos futuros

Mas este não é o valor final das perdas. Embora o banco fundado por Oliveira Costa tenha já sido vendido ao BIC por 40 milhões de euros, ficaram os activos e passivos considerados problemáticos como herança da Parvalorem e a Parups (e também a Parparticipadas). O Tribunal de Contas só tem os dados de 2013 e, juntando as empresas, calcula capitais próprios negativos de 2.314 milhões de euros na Parvalorem e Parups, compensados muito parcialmente por um capital próprio positivo de 170 milhões da Parparticipadas. "Encargos a suportar eventualmente pelo Estado no futuro". E isto excluindo os empréstimo do Estado.

 

Mas também aqui, os encargos são ainda incertos. Por exemplo, a Parparticipadas vendeu este ano o Banco Efisa à Pivot SGPS, sociedade constituída pela britânica Aethel, em conjunto com António Bernardo, da Roland Berger, e Mario Palhares, ex-vice-governador do Banco Nacional de Angola. Mas, antes disso, teve de fazer vários aumentos de capital que assegurassem que era um activo atractivo para ser adquirido.

 

As obras de Joan Miró, nas mãos da Parvalorem e da Parups, são outro exemplo que mostra que é difícil, ainda, saber quanto custou a decisão, anunciada por Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio, há exactamente sete anos, com a entrega da sua titularidade à Caixa Geral de Depósitos. As falhadas tentativas de venda das obras do pintor catalão – que estão em tribunal, com a Parvalorem em disputa com o Ministério Público – não permitiram ainda abater na dívida do banco ao Estado. 

 

As indefinições sobre os custos para o Estado desta operação estavam já inscritas nas conclusões da comissão parlamentar de inquérito ao processo de nacionalização, gestão e alienação do Banco Português de Negócios (2012). "Nos anos subsequentes, o Estado poderá ainda assumir, em défice orçamental, os encargos decorrentes das responsabilidades contingentes que lhe forem imputáveis".


Contingências são a palavra-chave quando se fala neste banco (que viveu muito próximo da política). Na conclusão, a comissão de inquérito indicou que os custos poderiam, no limite, "atingir 6.509 milhões de euros, mais juros e contingências, se todo o activo assumisse um valor nulo, o que, objectivamente, é impossível, na medida em que activos reais (moedas, obras de arte, imóveis) têm sempre valor superior a zero, em qualquer circunstância".


A inexistência de números concretos sobre as perdas foi um dos motivos dos argumentos da defesa da (re)solução aplicada ao Banco Espírito Santo em Agosto de 2014, através do Fundo de Resolução da banca, ainda que também, neste caso, os encargos futuros sejam ainda desconhecidos.

 

Sete anos depois da nacionalização, antiga dona do BPN tenta salvar-se 

"A comissão parlamentar de inquérito (CPI) sublinha o facto do Grupo SLN, ao ter adquirido o BPN, ter dado origem a um grupo económico e financeiro caracterizado pela detenção de um banco subordinado aos interesses e estratégias do Grupo, o que não corresponde à estrutura normal existente no país, em que são os bancos a dominarem empresas e sectores de actividade económica". Uma das conclusões retiradas em 2012 ainda antes da falência de um outro grupo que estava fortemente associado a um banco, o Grupo Espírito Santo. 

"A comissão parlamentar de inquérito (CPI) sublinha o facto do Grupo SLN, ao ter adquirido o BPN, ter dado origem a um grupo económico e financeiro caracterizado pela detenção de um banco subordinado aos interesses e estratégias do Grupo, o que não corresponde à estrutura normal existente no país, em que são os bancos a dominarem empresas e sectores de actividade económica". 
Relatório final da 2ª comissão de inquérito ao BPN, 2012

 

Sete anos depois da nacionalização do BPN, que Vítor Constâncio acusou ter acontecido também por conta das notícias da comunicação social (um conjunto de notícias na "alimentou a situação", pois terão "dificultado e acentuado as situações de liquidez e os problemas do BPN, tornando de certo modo inevitável este desfecho"), a SLN não existe. Existe a Galilei. E, neste momento, o seu combate é para que continue a existir com um Processo Especial de Revitalização (PER). Curiosamente, o Estado é o principal obstáculo à recuperação da Galilei, já que é a ele que o grupo, com ramificações na saúde e no turismo, mais deve. E Estado, aqui, entenda-se como Parvalorem.

 

A dívida do grupo Galilei (em que o British Hospital é o principal activo) é de 1.668 milhões de euros, segundo a reclamação de créditos provisória divulgada em Outubro. A Parvalorem e a Parups reclamam mais de 1.300 milhões de euros, ou seja, 80% do total. O grupo quis excluir a sua jóia – o British Hospital e a área de Imagiologia – do Processo Especial de Revitalização, mas a Parvalorem avisou que não o iria permitir. É um processo em curso e do qual sairão efeitos para os contribuintes. Positivos ou negativos.

 

O campo judicial

A complexidade do cálculo dos custos da nacionalização do Banco Português de Negócios, determinada em 2008 quando já estava na sua liderança Miguel Cadilhe (que criticou a opção do governador e do Executivo) é idêntica à dificuldade das resoluções judiciais em torno da "fraude" no banco.

 

Em Outubro, recomeçou o principal julgamento sobre o banco, através do qual o Ministério Público acusou 24 arguidos, tendo sido posteriormente pronunciados 16 pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, segundo o Observador. O julgamento iniciou-se em Dezembro de 2010, estando ainda a acontecer. Segundo deu conta a publicação, a justificação para o atraso pode passar pelo facto de, além dos 16 arguidos, estarem arroladas mais de 150 testemunhas. Uma delas, contou o jornal, foi ouvida durante meses.

 

Este é o principal caso. Mas há mais. Só que a sua aceleração tem obstáculos. E o BES é um deles. Em Abril, o Departamento Central de Investigação e Acção Central disse-o claramente quando, a avaliar o ano de 2014, disse que não conseguiu cumprir um dos seus objectivos, que era emitir os despachos finais em processos como o BPN. A complexidade de investigações ao Universo Espírito Santo foi uma das justificações avançadas.  

Ainda que o caso BPN tenha permitido críticas à supervisão ("Houve grave e demorada falha de supervisão durante anos", disse Miguel Cadilhe sobre o governador Vítor Constâncio), no Banco de Portugal e na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários também houve processos. Aliás, em Maio deste ano, o regulador do mercado de capitais, presidido por Carlos Tavares, aplicou uma coima única de 100 mil euros a José Oliveira Costa (e a mais ex-gestores do banco) por infracções cometidas entre 1999 e 2008 nomeadamente por gestão de carteiras sem autorização ou violação do dever de prestação de informação devida aos clientes.

Mas o BPN é ainda uma história por contar. Por calcular. Por julgar. 

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