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Itália já tem primeiro-ministro pró-euro, mas os mercados não acalmam. Porquê?
O presidente Mattarella indigitou Carlo Cottarelli primeiro-ministro e encarregou-o de formar um "governo neutro" capaz de acalmar os receios dos mercados. Mas os mercados não acalmaram porque a decisão do presidente atirou o país para a mais grave crise política desde 1948 e reforçou os sentimentos anti-euro.
Carlo Cottarelli vai reunir-se na tarde desta terça-feira, 29 de Maio, com o presidente italiano Sergio Mattarella para lhe apresentar os nomes que pretende levar para o "governo neutro" de iniciativa presidencial. No entanto, a solução encontrada por Mattarella para sossegar os mercados não está a ser capaz de atingir esse objectivo definido como primordial, pelo contrário: os juros disparam e, no prazo a 10 anos, a taxa de juro associada aos títulos soberanos transalpinos negoceia em máximos de 2014. No curto-prazo (dois anos), a escalada superior a 150 pontos base é a maior subida em 26 anos.
A escolha tecnocrática de Cottarelli, um ex-funcionário do Fundo Monetário Internacional, está a surtir o efeito contrário à de Mario Monti que, em 2011, foi "colocado" por Bruxelas na chefia do governo italiano com o objectivo de promover políticas de austeridade em plena crise das dívidas soberanas.
Para lá das especificidades políticas, há uma grande diferença entre ambos os casos. Se Monti dispunha de maioria parlamentar para aprovar medidas e leis essenciais como o Orçamento, o primeiro-ministro indigitado Carlo Cottarelli tem uma maioria que lhe é adversa e o seu governo corre o risco de, pela primeira vez desde a República, não obter sequer um único voto favorável.
"O governo de Mattarella não tem nenhuma possibilidade de passar", afiança Daniele Albertazzi que, perante a intenção de se abster anunciada pelo PD, antecipa que Cottarelli poderá não recolher apoios ou ficar-se pelos votos do ultraminoritário centro-esquerda Livres e Iguais de Pietro Grasso. "Monti até tinha o apoio de Silvio Berlusconi e, acima de tudo, tinha uma maioria favorável", conclui este professor de Ciência Política na Universidade de Birmingham.
Perante este cenário, Cottarelli deverá ver o seu governo chumbado no parlamento e ser remetido para a chefia de um executivo de transição e "sem autoridade política", explica Albertazzi que vê como tarefa impossível a aprovação do Orçamento para 2019, um dos objectivos centrais de Mattarella. Este especialista em questões europeias e em política italiana considera que "Mattarella escolheu a pessoa errada", não tanto por questões técnicas mas políticas.
No domingo, o anterior primeiro-ministro mandatado, Giuseppe Conte, renunciou a formar um governo com apoio do Movimento 5 Estrela e da Liga devido à rejeição de Mattarella ao nome de Paolo Savona, um académico com posições eurocépticas, para a pasta de Economia e Finanças.
"É tudo uma questão simbólica", sustenta Daniele Albertazzi que sinaliza a oposição entre dois discursos e o aproveitamento político que dela se fará. Enquanto Cottarelli e Mattarella falam para os mercados e agências de rating, o FMI ou o Banco Central Europeu, Luigi Di Maio (5 Estrelas) e Matteo Salvini (Liga) vão dizer "‘nós falamos para os italianos’".
Soberanistas contra europeístas
O antagonismo que nas eleições de 4 de Março permitiu a duas forças anti-sistema como o 5 Estrelas e a Liga somarem uma maioria absoluta tenderá a agudizar-se. Em plenitude de funções ou em gestão, o governo de Cottarelli será para durar escassos meses até à realização de novas eleições, possivelmente no final do Verão.
Assim, nos próximos meses poderá haver um reforço da luta entre as forças europeístas e soberanistas, com a pertença ao euro como tema principal. Para o director do La Stampa, Maurizio Molinari, a forte subida dos juros deve-se precisamente a uma "percepção muito elevada de que as próximas eleições sejam um referendo sobre a moeda única". A crise política e institucional que se vive na Itália está a ser percepcionada pelos investidores como a principal ameaça à integridade da Zona Euro, o que atirou hoje a moeda única para mínimos de quase um ano face ao dólar.
A pressão vinda de Bruxelas poderá não ser bem recebida na Itália e será, seguramente, utilizada como arma de arremesso eleitoral. Citado pelo Corriere della Sera, o comissário europeu para o Orçamento, Günther Oettinger, afirma que "os mercados vão ensinar a Itália a votar correctamente".
Música para os ouvidos de Di Maio e Salvini que pedem o regresso às urnas o quanto antes, desde logo porque as sondagens continuam a atribuir maior absoluta a estes partidos. Também Matteo Renzi, ex-líder do PD e antigo primeiro-ministro, acredita que as "eleições estão próximas" e serão uma "enorme batalha" entre quem quer ficar na Europa e quem quer sair. Ao contrário das últimas eleições e do referendo constitucional de Dezembro de 2016, desta vez não será Renzi o alvo a abater, será Mattarella a quem Di Maio quer ver aberto um processo de destituição. O combate político regressou.
Juros de Itália a 10 anos em máximos de 2014
Juros de Itália a dois anos duplicam
Juros de Portugal a 10 anos em máximos de Outubro
Juros da Alemanha em mínimos de mais de um ano
Bolsa italiana em mínimos de Julho
PSI-20 em mínimos de Abril
Bolsas europeias em queda
Banca europeia em mínimos de 2016
Euro recua para mínimos de seis meses
Dólar em máximos de Novembro