Notícia
Repete mais uma vez, por favor
No masculino plural da palavra "Actores" esconde-se o singular de duas actrizes. Rita Cabaço e Carolina Amaral. Olhá-las é sentir que o teatro português está bem entregue: estão conscientes de que a profissão continua difícil, cheia de exigências.
Actores - A peça encenada por Marco Martins está em cena no São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, até 28 de Janeiro. Viaja depois até ao Teatro Nacional São João, no Porto, e ao Cine-Teatro Louletano, em Loulé.
Ela tem o poder de matar, com o simples toque da mão num microfone, os companheiros de cena. A cada batida caem, redondos no chão. Em palco nunca se morre realmente, avisa-nos Rita Cabaço. O público está ciente da aparência da acção, os actores não conseguem activar essa memória emocional. No teatro, nunca se morre de facto.
É um dos pontos altos desse exercício de honestidade que é "Actores", peça de Marco Martins no São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa. Àqueles que escolhem esta profissão é-lhes exigido que entreguem emoções, que repitam o texto uma e outra vez, sempre com uma nova intenção. "Repetição e variação", em síntese. E eles submetem-se, por amor ou carolice, a essa voz alheia que é a do encenador, do realizador, do publicitário...
"Porque aceitas este tipo de humilhação?" A pergunta é feita em cena enquanto se desfiam as memórias de Bruno Nogueira, Luísa Cruz, Miguel Guilherme, Nuno Lopes e Rita Cabaço. Não apenas as piores ou as melhores, mas todas elas, como parte necessária e inevitável de um percurso que culmina neste espectáculo.
Os actores desmontam-se a si próprios, expõem-se, para voltar ainda mais seguros. Depois das provas, das audições, dos projectos que se acumulam para ser possível viver da profissão. Somos obrigados, e ainda bem, a voltar a Rita Cabaço. Em poucos minutos, uma metamorfose sucessiva de personagens. E a consciência de que não se pode parar, mesmo quando o corpo está prestes a ceder ou o público tem licença para falar durante o intervalo.
Há um magnetismo em Rita Cabaço cada vez mais difícil de encontrar. Seguimos as modelações nas suas palavras mesmo quando o seu corpo está, propositadamente, virado de costas. Os movimentos do corpo emanam essa entrega. E percebemos uma outra coisa: quando falha o texto, fica o talento.
Ser-se actor é ser-se outro. E é isso que a presença de Carolina Amaral nesta peça nos mostra: ela é a memória de uma actriz ausente. Luísa Cruz viu-se obrigada a deixar o projecto, devido ao cansaço de se desdobrar entre vários trabalhos. Carolina Amaral acabaria por se juntar apenas a três semanas da estreia.
É com ela que percebemos a ironia de todo este jogo que é o teatro, quando transmite uma das recordações que tomou como suas. A viagem é até ao Teatro Nacional São Carlos em 2003. Luísa Cruz é chamada para substituir a protagonista Isabelle Huppert em "Jeanne d'Arc au Bûcher". A doença da francesa acabou por ceder. Na noite da estreia, não foi Luísa Cruz que subiu ao palco.
A substituta é, agora, ela própria substituída. Pisa o palco apenas de uma forma simbólica com Carolina Amaral, a quem não se pode apontar a mais pequena distância face ao projecto. Talvez porque as suas preocupações não estejam assim tão longe das de Luísa Cruz, talvez porque não lhe seja estranho o canto lírico ou porque domine o francês.
Todos os percursos são diferentes neste palco, onde uma câmara de filmar regista tudo. A imagem é transmitida a preto e branco, mais cinematográfico e introspectivo do que as cores e o registo bem-disposto que a cena física mostra. O aparelho mostra o palco do ponto de vista dos actores, as suas pausas, as suas necessidades de silêncio. Amanhã é preciso repetir tudo de novo.
Ela tem o poder de matar, com o simples toque da mão num microfone, os companheiros de cena. A cada batida caem, redondos no chão. Em palco nunca se morre realmente, avisa-nos Rita Cabaço. O público está ciente da aparência da acção, os actores não conseguem activar essa memória emocional. No teatro, nunca se morre de facto.
"Porque aceitas este tipo de humilhação?" A pergunta é feita em cena enquanto se desfiam as memórias de Bruno Nogueira, Luísa Cruz, Miguel Guilherme, Nuno Lopes e Rita Cabaço. Não apenas as piores ou as melhores, mas todas elas, como parte necessária e inevitável de um percurso que culmina neste espectáculo.
Os actores desmontam-se a si próprios, expõem-se, para voltar ainda mais seguros. Depois das provas, das audições, dos projectos que se acumulam para ser possível viver da profissão. Somos obrigados, e ainda bem, a voltar a Rita Cabaço. Em poucos minutos, uma metamorfose sucessiva de personagens. E a consciência de que não se pode parar, mesmo quando o corpo está prestes a ceder ou o público tem licença para falar durante o intervalo.
Há um magnetismo em Rita Cabaço cada vez mais difícil de encontrar. Seguimos as modelações nas suas palavras mesmo quando o seu corpo está, propositadamente, virado de costas. Os movimentos do corpo emanam essa entrega. E percebemos uma outra coisa: quando falha o texto, fica o talento.
Ser-se actor é ser-se outro. E é isso que a presença de Carolina Amaral nesta peça nos mostra: ela é a memória de uma actriz ausente. Luísa Cruz viu-se obrigada a deixar o projecto, devido ao cansaço de se desdobrar entre vários trabalhos. Carolina Amaral acabaria por se juntar apenas a três semanas da estreia.
É com ela que percebemos a ironia de todo este jogo que é o teatro, quando transmite uma das recordações que tomou como suas. A viagem é até ao Teatro Nacional São Carlos em 2003. Luísa Cruz é chamada para substituir a protagonista Isabelle Huppert em "Jeanne d'Arc au Bûcher". A doença da francesa acabou por ceder. Na noite da estreia, não foi Luísa Cruz que subiu ao palco.
A substituta é, agora, ela própria substituída. Pisa o palco apenas de uma forma simbólica com Carolina Amaral, a quem não se pode apontar a mais pequena distância face ao projecto. Talvez porque as suas preocupações não estejam assim tão longe das de Luísa Cruz, talvez porque não lhe seja estranho o canto lírico ou porque domine o francês.
Todos os percursos são diferentes neste palco, onde uma câmara de filmar regista tudo. A imagem é transmitida a preto e branco, mais cinematográfico e introspectivo do que as cores e o registo bem-disposto que a cena física mostra. O aparelho mostra o palco do ponto de vista dos actores, as suas pausas, as suas necessidades de silêncio. Amanhã é preciso repetir tudo de novo.