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É para mergulhar nesta piscina

Não basta molhar o pezinho. Não, insisto, para se estar nesta festa é de corpo inteiro. Citem autores que nunca leram, mostrem-se entusiasmados. Não é difícil, viram? Só não deixem cair as máscaras. Aí não há "glamour" que vos valha.

The Swimming Pool Party - Até 25 de Fevereiro no São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa. Mónica Garnel encena o texto de Ricardo Neves-Neves. Uma das peças mais divertidas dos últimos tempos. Vitorino Coragem
24 de Fevereiro de 2018 às 14:00
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Ponha-se um "bossa nova lounge", só para dar aquele clima de bem com a vida enquanto a piscina enche com a pouca força da mangueira. Afinal, meus queridos, isto é uma festa de arromba. Podem chegar todos ao mesmo tempo, podem beber champanhe. Do copo, da garrafa, tanto faz.

Ocupem o espaço. Primeiro alinhem-se, depois juntem-se em grupos. Proclamem longas palestras sobre tudo e sobre nada. Falem sobre mesas ovais, sobre caças ao elefante e outras viagens exóticas, distingam a caxemira do horroroso poliéster. Repitam o que ouviram para não parecerem ignorantes. Reforcem com um "já ouvi falar" ou um "já li sobre". Introduzam umas palavras em inglês. Fica sempre bem. É excelente!

Bem-vindos a "The Swimming Pool Party". É a festa do momento, pelo menos em termos teatrais. Os nossos anfitriões são Mónica Garnel e Ricardo Neves-Neves. Ele escreveu o guião, ela tratou da logística de o colocar em palco na perfeição. Na verdade, sejamos honestos, não há palco. Ele foi tomado pelo espaço da piscina. E os actores, lá estão, atirados para a sua frente, numa falsa proximidade com o público, daquela que se cultiva neste tipo de reuniões sociais.

Há uma pátina, um "glamour" inegável, que vai beber ao universo de Agatha Christie e de T.S. Eliot. Os crimes de que se fala na sinopse do espectáculo estarão num último plano. Não importa. O que verdadeiramente importa aqui são as aparências. Aliás, a construção das aparências, que o texto de Ricardo Neves-Neves retrata com uma simplicidade invejável.

Ao serviço estão actores de excepção. Uma Mónica Calle no papel natural de sedutora, um Álvaro Correia consciente de como brincar com as palavras e delas tirar partido para a gargalhada geral, uma Ana Água cujo sorriso forçado torna visível o desconforto de um exemplar claro de "novo rico", só para citar alguns.

Se Mónica Garnel é inteligente na encenação, não deixa de sê-lo quando sobe ao palco. Bem pelo contrário. Dela vamos ouvir muito pouco, quando comparado com os colegas. É humilde a esse ponto de lhes dar o protagonismo. O seu próprio talento é que lhe troca as voltas e a coloca debaixo do olhar da plateia. Como pode alguém dizer tanto sem falar? As expressões de tristeza (para não dizer desolação) da sua enfermeira de leste respondem-nos.

Nesta festa fazemos a higiene da alma, mas não de forma frívola. Rimo-nos com a certeza de que fomos bem entretidos. Rimo-nos porque existem pessoas como estas nas nossas vidas. Rimo-nos pela forma como elas ficam nuas em palco quando caem as aparências. Rimo-nos até nos doer a barriga. Talvez isso, só o simples acto de rir, nos saiba bem quando vamos ao teatro. Aqui temos tempo para o fazer.

Agora, ponham a música mais alto, dancem, façam uma pausa. Digam mais umas trivialidades, concordem com o que desconhecem. O que é preciso é parecer bem, minhas coisas boas. "And so on", pareçam felizes. Até que a água das vossas próprias mentiras vos afogue.


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