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Um lugar para o que pode falhar

Por mais que nos digam que somos heróis auto-suficientes, não conseguimos viver sem estar em relação. Estar com o outro implica que as coisas possam falhar, não correr segundo os planos. Não será esse o melhor duelo da vida?

13 de Janeiro de 2018 às 10:30
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"Chego sempre atrasada aos funerais importantes"
Está no Teatro Maria Matos, em Lisboa, até 14 de Janeiro.
Quinta a sábado às 21:30 
e domingo às 18:30.


"Sempre me fascinou este imaginário de ir à descoberta, à aventura." E, com ele, a ideia de herói solitário, aquele que tem de sair da sua zona de conforto para se superar a si próprio. Catarina Vieira percebeu depois outra coisa: "Há semelhanças com a narrativa neoliberal, em que o sujeito se torna projecto de si próprio."

Somos constantemente desafiados a ser melhores, a superar obstáculos, a aperfeiçoarmo-nos. Contudo, "há territórios como o amor e a morte no quais esta ideia de aperfeiçoamento é inútil". São esses territórios que tomam conta do Teatro Maria Matos, em Lisboa, em "Chego Sempre Atrasada aos Funerais Importantes".

"Gostava de ter um lugar para o que ainda pode falhar." O amor é esse lugar sem nome, diferente do simples acto de ter uma relação, em que a presença do(s) outro(s) nos altera. Depois, "a morte é o lugar onde vamos falhar sempre", porque dela não podemos fugir.

Esta peça, que regressa ao Maria Matos depois do festival Temps D'Images, resulta de um longo processo de pesquisa, que se cruza com o mestrado de Catarina Vieira em Amesterdão. Essa investigação levou-a também ao Chile, onde a artista diz ter tido um confronto com a sua "própria solidão" durante as gravações de um filme em formato "roadmovie", replicando a lógica do herói solitário que parte em viagem.

O destino acabou por ser uma outra conclusão: "Um corpo nunca existe sozinho, está sempre em relação", por mais que o mundo insista em cultivar os ideais de individualismo e autonomia. Esse encontro pode gerar, também ele, arte. Por isso, Catarina Vieira, durante o seu processo de trabalho, reuniu-se com 20 amigos artistas no estúdio. O único objectivo era estarem juntos, para perceber como essa dinâmica consegue produzir conteúdos para um espectáculo ou tornar-se uma performance em si mesma.

Nessas horas, houve dança e perguntas sobre o amor. Catarina Vieira procurou respondê-las. Mas não se contentou com as suas próprias palavras. Repetiu as questões, mais tarde, a um grupo de idosos no Chile. As respostas foram, naturalmente, diferentes e esclarecedoras. A experiência e o tempo trazem outras visões sobre o amor.

E a morte? Afinal, porque chega sempre atrasada aos funerais importantes? "Às vezes não podemos estar presentes no momento em que o amor acabou. Às vezes não queremos ver ou estamos distraídos no momento." O lado poético do título esconde a dureza da realidade. Ao tentarmos ser heróis solitários, esquecemos quem pode celebrar essas vitórias connosco.


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