Notícia
Deixei as pálpebras no metro
Um vestido negro gigante. Uma figura sem género cheia de episódios para contar. O luto toma conta de um espaço onírico. E mostra-nos que a ficção é tão importante como a realidade. É o nosso escape.
Entra-se num espaço onde falta a definição. Não é mundo, não é palco. Talvez seja um sonho ou uma sala de espera para outra dimensão. Uma sombra surge ao fundo e, a seu tempo, aproxima-se. A figura permanece enigmática até ao fim.
Esta é uma escultura com vida e voz. Do alto de um vestido negro, o primeiro sinal de um luto, ergue-se Margarida Cardeal. Sozinha, durante uma hora, a actriz defenderá o texto, navegará num extremo de emoções.
A única forma de viajar em Välute é através das palavras. Em cena, tudo se mantém praticamente estanque. Rui Neto encontrou uma nova fórmula para colocar em cena o texto "Luto" de 2012. O tempo cura, o tempo orienta.
Margarida Cardeal não é homem, mulher ou personagem. É um ser humano, sim, mas já a roçar a metamorfose tecnológica, robotizado. Ainda provido de memórias e, por isso, de emoções. "Proclame-se o esquecimento", acaba por confessar a determinada altura.
Antes disso, já Hamlet - essa personagem de Shakespeare marcada pela morte - entrou no discurso para questionar a distinção entre a realidade e a ficção. Hamlet é uma personagem, não existe. Mas não será o seu sofrimento igualmente importante? Para que serve o teatro se não conferir essa existência? As respostas escasseiam. E ainda bem.
A linha narrativa segue fluída, fragmentada, como num sonho. Do vestido negro começam a surgir mãos e objectos. Ele transforma-se, simultaneamente, em cena e bastidores. Depois, é uma força que modela a protagonista. Por mais que ela se esforce para superar essa rigidez de tecido, acaba sempre vencida. O corpo desmonta-se: falta um braço, a face suja-se, as pálpebras são esquecidas no metro.
Nesta boneca negra, a voz serve de guia para um universo de diferenças. Voz rouca, mecanizada e aparentemente forte, cujo discurso evidencia fragilidade. Acima de tudo, uma mensagem: não parar, não parar, não parar… Ir à luta. Por mais que o luto, como um vestido gigantesco onde nos perdemos e prendemos, nos tente impedir.
Esta é uma escultura com vida e voz. Do alto de um vestido negro, o primeiro sinal de um luto, ergue-se Margarida Cardeal. Sozinha, durante uma hora, a actriz defenderá o texto, navegará num extremo de emoções.
Margarida Cardeal não é homem, mulher ou personagem. É um ser humano, sim, mas já a roçar a metamorfose tecnológica, robotizado. Ainda provido de memórias e, por isso, de emoções. "Proclame-se o esquecimento", acaba por confessar a determinada altura.
Antes disso, já Hamlet - essa personagem de Shakespeare marcada pela morte - entrou no discurso para questionar a distinção entre a realidade e a ficção. Hamlet é uma personagem, não existe. Mas não será o seu sofrimento igualmente importante? Para que serve o teatro se não conferir essa existência? As respostas escasseiam. E ainda bem.
A linha narrativa segue fluída, fragmentada, como num sonho. Do vestido negro começam a surgir mãos e objectos. Ele transforma-se, simultaneamente, em cena e bastidores. Depois, é uma força que modela a protagonista. Por mais que ela se esforce para superar essa rigidez de tecido, acaba sempre vencida. O corpo desmonta-se: falta um braço, a face suja-se, as pálpebras são esquecidas no metro.
Nesta boneca negra, a voz serve de guia para um universo de diferenças. Voz rouca, mecanizada e aparentemente forte, cujo discurso evidencia fragilidade. Acima de tudo, uma mensagem: não parar, não parar, não parar… Ir à luta. Por mais que o luto, como um vestido gigantesco onde nos perdemos e prendemos, nos tente impedir.