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Dezoito minutos e vinte e três segundos

O que faz um ponto de teatro, essa espécie em vias de extinção? Sopra, levemente, o texto quando a memória alheia falha. E é, nesse gesto, que cria as recordações do próprio do teatro que o envolve.

Christophe Raynaud de Lage
11 de Novembro de 2017 às 11:00
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Sopro
A peça encenada por Tiago Rodrigues está no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, até 19 de Novembro. Com Beatriz Brás, Cristina Vidal, Isabel Abreu, João Pedro Vaz, Sofia Dias e Vítor Roriz. A peça estreou em Julho no Festival d'Avignon, em França.

Há peles que não lidam bem com a luz. Porque assim se cultivaram, no escuro, durante décadas. É assim a pele de um ponto de teatro, é assim a pele de Cristina Vidal. Sempre trabalhou na sombra. Até agora.

Em "Sopro", as palavras de quem contraria as perdas da memória alheia navegam à vista de quem se senta no teatro. Para Cristina Vidal, o mundo visto da plateia não interessa. Conhece os actores de costas, de perfil, nunca de frente.

O nome dela nunca se ouve em palco, mas sabemos que estas são também as suas memórias, o seu voltar a um passado. Os bastidores misturam-se com o palco e aí está ela, a ponto, na linha de fronteira. Menos nítida é a separação entre o que são memórias reais ou não.

Esta, pelo menos, é verdadeira: Cristina Vidal viu o seu primeiro espectáculo, aos cinco anos, dentro da caixa de ponto do Teatro Nacional D. Maria II. Aí voltaria, a 14 de Fevereiro de 1978, para começar a trabalhar.

É na figura do ponto que está o guardião do texto, o auxílio dos actores, aquele que luta contra a ideia de um teatro em ruínas. As plantas que crescem no chão do palco ainda apontam para esse lado mais catastrófico, de uma certa desgraça inevitável. Em sentido contrário, as cortinas, maleáveis ao vento, mostram um espaço aberto ao exterior, capaz de se renovar.

A ponto cumpre com as regras de discrição da profissão. "A discrição do ponto deve ser proporcional à indiscrição dos actores." É a eles a quem é passado o protagonismo, servindo-lhe de voz. Os gestos dos intérpretes são exagerados, em contraste, para mostrar como funciona a máquina de fazer teatro. É impossível, dizemos com toda a certeza, não reparar em Cristina Vidal, sempre ali, mais ou menos na sombra, a soprar o texto. Não só os dedos, como no passado, fora da caixa do ponto. Mas ela própria, inteira, entregue.

Este "Sopro" é leve e descontraído, inclusive quando inicia um percurso por diferentes peças do passado, textos que marcam a ponto e o próprio teatro. "Dinis e Isabel", "Berenice", "Antígona", "O Avarento" ou "As Três Irmãs". "Eu não queria o cargo de directora, e no entanto aconteceu. Quer isto dizer que não iremos para Moscovo...", recupera-se do clássico de Tchékhov.

Vai-se noutra direcção, em que as tábuas do palco ficam maleáveis entre o real e a ficção, entre as histórias mais ou menos inventadas do teatro e as histórias das suas gentes. O dramaturgo, neste caso também encenador, tem dificuldade em colocar-lhes um ponto final, adiando por duas vezes esse fechar da cortina.

Antes disso, já se descobriu que a ponto - Cristina Vidal ou a construção que Tiago Rodrigues dela faz, abraçamos a dúvida - assinalou todas as vezes em que a memória dos actores falhou em palco. Todas juntas, em quase 40 anos de teatro, não passariam de 18 minutos e 23 segundos. Juntem-se outros sete versos que, transformados em cicatriz, ficaram por soprar.

Depois do fim, amamos melhor?


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