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Desfaça-se luz

Este é um espaço para experimentar, para cruzar disciplinas. É nessa base que aqui se misturam "Antropocenas" e "Apagão". São duas das propostas do festival Temps d'Images, em Lisboa até 5 de Dezembro.

Fernando Alves
04 de Novembro de 2017 às 11:00
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Apagão

Bem-vindos a um lugar onde tudo é possível. A luz apaga-se em simultâneo para Tiago Cadete, David Marques e para o público. A partir daí, estamos todos na mesma condição.

Dissipem-se as dúvidas: não há nada para ver - no sentido estrito da palavra - além da escuridão pura e dura. E se Wagner, quando decidiu apagar a luz da plateia, tivesse apagado tudo? É isso que se poderá sentir no Negócio/ZDB na próxima semana, de 7 a 9 de Novembro.

O preto do nada transforma-se num lugar onde é possível criar e imaginar, de onde emergem tantas possibilidades. Deixe-se para trás o medo do escuro, os recalques da infância: ele aqui não é ameaça, é antes zona de conforto.

É uma experiência única aquela que se vive. À medida que o tempo avança, "Apagão" vai-se desconstruindo e tornando visível - imagine-se só - a estrutura da sua construção. Fica-se em dúvida sobre o que é real ou não, criam-se imagens mentais do que se passa do outro lado do negro, recuperam-se memórias pessoais.

Para Tiago Cadete e David Marques, tudo começou com uma residência artística num local isolado de Portugal onde, numa noite escura, o ladrar de um cão - ou seriam dois? - os despertou para estas questões: como a escuridão pode ser um lugar de potência, uniformizar, evitar julgamentos?

Não há outra espacialidade além da transmitida pelo som, trabalhado com detalhe. Primando pela cumplicidade no diálogo, os criadores vão dando lições de história da imagem - fortemente associada à ideia de construção do real - sem entrar num campo fechado, antes pelo contrário, bastante acessível. O trabalho segue para o festival Citemor, em Montemor-o-Velho, a 23 de Novembro.

Há frango com batatas fritas, corridas de corpos nus, beijos, saltos numa piscina, viagens por casas do passado, uma visita à Mona Lisa. E uma impressionante tempestade que nos envolve e faz sentir vento na pele. Há mesmo? Ou é tudo fruto da nossa imaginação? O escuro dirá.



Antropocenas

É difícil definir "Antropocenas". E talvez seja isso que lhe dá tanta graça, tanta ousadia. Rita Natálio e João dos Santos Martins juntam em palco coisas que pareciam impensáveis. Estranha-se, entranha-se, aprecia-se.

O registo é o da linguagem académica mas desconstruída para os meandros do teatro. O que se pretende é fazer pensar o modo como os seres humanos são os responsáveis pelas alterações do clima e pela mudança do próprio planeta. Antropoceno, o conceito que define esta abordagem.

Há em palco uma parafernália de motivos para mostrar que clima e corpo já não são o que eram. Almofadas de plástico, o som e o pó de uma rebarbadora que prepara uma escultura ao vivo, um jardineiro a tratar das sebes. E dança, muita dança, rasgada por um texto que é, em si próprio, um manifesto sobre a forma como a natureza, no Ocidente, é uma representação humana.

As palavras disparam em várias dimensões, praticamente impossíveis de fixar, mas a mensagem passa. Longe do aborrecimento, cruzam-se diferentes níveis culturais, das canções funk brasileiras aos escritos de Baudelaire. E junta-se depois o desconforto das situações mais inesperadas em formato de conferência. Em "Antropocenas" - que esteve no São Luiz Teatro Municipal de 27 a 29 de Outubro - lançam-se muitas questões.

Podem os seres humanos ser transformados em plantas? Podem. Nus, enfiados em vasos com forma de panelas, regados. Porque o homem não pode fugir da dominação que aplica a uma natureza a que se acha externo.

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