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Pelo buraco da fechadura

O teatro é um acto político. O encenador Miguel Seabra não o vê de outra forma. Há um frente a frente, um "ter de pôr um 'gosto' com a alma". E a gentileza de dar a ver a intimidade dos processos criativos.

Bruno Simão
18 de Novembro de 2017 às 13:00
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Devíamos ter Parado
A peça encenada por Miguel Seabra está no Teatro Meridional, em Lisboa, até 17 de Dezembro.
Com Margarida Gonçalves, Miguel Damião, Mónica Garnel, Paulo Pinto, Rosinda Costa, Rui Rebelo e Telmo Mendes.


Foram 25 anos de percursos e viagens, "ao ritmo dos afectos". "O nomadismo faz parte da raiz identitária deste projecto". Miguel Seabra fala satisfeito do Teatro Meridional, da sua companhia, que já levou a cerca de 20 países.

Mas até um nómada tem um lugar a que pode chamar casa. Encontrou-a em 2005 na Rua do Açúcar, Marvila. "Quando anunciei que tinha conseguido arranjar um pouso, os meus amigos disseram: 'Ó pá, o que estás a fazer à tua vida? Nem a tua mãe vai ver os espectáculos". A contrariedade serviu como incentivo para elevar a fasquia. E o público - incluindo a mãe - acabou por aprender o caminho.

"Devíamos ter parado", o novo trabalho, é uma "metáfora um pouco provocatória". E procura responder à questão lançada no primeiro espectáculo do Teatro Meridional: O que estamos a fazer aqui? "A via do trabalho de um actor é uma via sem retorno", responde. Parar nunca foi, aliás, opção.

Por mais que o caminho esteja repleto de percalços, arritmias ou desequilíbrios. Miguel Seabra tem ciente o sentido de missão. "Para se estar em palco, tem de se ter urgência. Urgência em mostrar, em comunicar". Há uma força maior que move estas pessoas escolhidas pela via e pela vida do palco.

"A vontade de continuar, a inconformidade continua a existir. Não faltam ideias e vitalidade para concretizá-las". Sobretudo quando o mundo caminha para uma direcção desconhecida. "Vamos continuar a estar atentos, a estar disponíveis para o acto de escuta, para o acto de implicação social e política. O teatro é um acto político. Sempre, sempre, sempre. A mais leve comédia é um acto sociopolítico".

"Devíamos ter parado" não é excepção, com a plateia disposta num formato de arena, como quem se prepara para o confronto. Neste caso, entre o que é público e o que é privado. "O espectáculo em si é como espreitar, pelo buraco de uma fechadura, a intimidade dos processos criativos. É muito generoso da parte dos actores". O próprio palco transforma-se nos bastidores das pessoas que fazem teatro.

As palavras não ganham protagonismo. Algumas evocam frases de espectáculos do Teatro Meridional ao longo dos últimos 25 anos. Frases soltas, espelhando o modo como a memória de quem pisa o palco se divide pelos textos que interpretou. Depois, os actores juntam uma reflexão sobre o seu momento. "O teatro é dos poucos locais onde o homem está com o outro frente a frente. E sente. E não gosta. E reage. Tem de pôr um 'gosto' com a alma. E isso é de uma exigência mais fina".

Tão fina como as linhas do tempo que o regem. "O teatro é a arte do momento, é do aqui e agora. Não há teatro ontem nem teatro amanhã. Prepara-se e já se fez. Mas não existe. O que existe é o momento, o que vale é o dia em que se vê o espectáculo. Há aquele conceito budista que me é muito caro, da impermanência. Já não seremos os dois os mesmos no fim desta entrevista". Não somos, Miguel.
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