Notícia
Uma doença chamada riqueza
Nos campos desta lezíria ribatejana, os patrões preparam a leitura de uma peça de teatro. Ao mesmo tempo, os seus homens cumprem o ritual da vindima. Entre eles, uma distância tão grande.
Uma mulher jovem vestida de negro. Porquê? "Estou de luto pela minha vida." Na resposta, um convite implícito a que se partilhe a mágoa estendida em palco. É preciso tempo para se entrar nesta história, em plena lezíria ribatejana, a mesma da infância de Maria João Luís, a encenadora de "150 Milhões de Escravos".
Um arranque um tanto ou quanto hermético, sem palavra, no qual o movimento se insurge. Uma força braçal, característica dos que trabalham o campo em época de vindima, estende-se a todo o corpo. É uma energia que se mantém sempre pelas interpretações com um certo exagero, intencionalmente teatrais.
Numa peça em que se quer denunciar a escravatura infantil - segundo a Amnistia Internacional, são 150 milhões os menores forçados a trabalhar nos nossos dias -, estas vozes só nos chegam através do outro reverso da moeda: aqueles que exploram e olham para o trabalho alheio apenas como uma das variáveis do seu próprio enriquecimento.
"150 Milhões de Escravos" leva também o universo do teatro para o próprio campo. Nesta herdade, tornou-se tradição criar um espectáculo a cada época de vindimas. Como os cestos que carregam as uvas, também os membros desta família - cujas relações só começam a tornar-se claras a meio da peça - têm uma missão para cumprir. Uma tarefa mais do intelecto do que do físico, é certo.
Enquanto se discute a densidade das opções de escrita de um sobrinho que anseia ser poeta e dramaturgo, há palavras que saem como vergastadas nas costas. São, para manter simples a dualidade, sobre o modo como os ricos pensam os pobres, como olham para a sua condição de indigência como uma doença.
Maria João Luís opta pela combinação de três textos distintos - "Em homenagem aos nossos empregados" de Mickaël de Oliveira, "A Gaivota" de Anton Tchekhov e "Esteiros" de Soeiro Pereira Gomes -, o que se nota numa certa demora (intencional, parece-nos) para perceber o que se passa em cena. Basta transpor para a realidade que se pretende retratar: também nós levamos demasiado tempo a tomar consciência de que o trabalho infantil existe na vida real, à nossa volta.
Há uma música constante, que chega a sobrepor-se e a cortar o próprio texto dos actores. Afinal, por mais que o pessimismo possa tomar conta desta família de proprietários agrícolas, políticos ou intelectuais, o clima continua a ser de festa. E nem a morte alheia de um trabalhador que se descobre ser menor de idade, por mais que os abale momentaneamente, deve parar as suas celebrações.
Um arranque um tanto ou quanto hermético, sem palavra, no qual o movimento se insurge. Uma força braçal, característica dos que trabalham o campo em época de vindima, estende-se a todo o corpo. É uma energia que se mantém sempre pelas interpretações com um certo exagero, intencionalmente teatrais.
"150 Milhões de Escravos" leva também o universo do teatro para o próprio campo. Nesta herdade, tornou-se tradição criar um espectáculo a cada época de vindimas. Como os cestos que carregam as uvas, também os membros desta família - cujas relações só começam a tornar-se claras a meio da peça - têm uma missão para cumprir. Uma tarefa mais do intelecto do que do físico, é certo.
Enquanto se discute a densidade das opções de escrita de um sobrinho que anseia ser poeta e dramaturgo, há palavras que saem como vergastadas nas costas. São, para manter simples a dualidade, sobre o modo como os ricos pensam os pobres, como olham para a sua condição de indigência como uma doença.
Maria João Luís opta pela combinação de três textos distintos - "Em homenagem aos nossos empregados" de Mickaël de Oliveira, "A Gaivota" de Anton Tchekhov e "Esteiros" de Soeiro Pereira Gomes -, o que se nota numa certa demora (intencional, parece-nos) para perceber o que se passa em cena. Basta transpor para a realidade que se pretende retratar: também nós levamos demasiado tempo a tomar consciência de que o trabalho infantil existe na vida real, à nossa volta.
Há uma música constante, que chega a sobrepor-se e a cortar o próprio texto dos actores. Afinal, por mais que o pessimismo possa tomar conta desta família de proprietários agrícolas, políticos ou intelectuais, o clima continua a ser de festa. E nem a morte alheia de um trabalhador que se descobre ser menor de idade, por mais que os abale momentaneamente, deve parar as suas celebrações.