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Turquia: O novelo de Erdogan

O presidente Erdogan quer recuperar a maioria absoluta para o AKP. E assim reforçar o seu poder. Para tal, reabriu o conflito armado com os curdos, integrou o combate às forças terroristas presentes na Síria e reaproximou-se da UE para gerir a crise dos refugiados. O desenlace deste novelo de interesses é imprevisível.

31 de Outubro de 2015 às 15:00
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Guerra na Síria, refugiados, aproximação à União Europeia (UE), conflito com a comunidade curda e influência regional... São vários os factores determinantes para o resultado das eleições gerais turcas do próximo domingo, 1 de Novembro. Desde logo, a questão dos refugiados. A Turquia acolhe, actualmente, mais de dois milhões de refugiados sírios e dezenas de milhares de iraquianos e afegãos. É o país na Europa com mais refugiados a cargo. E é também o principal corredor de passagem do fluxo migratório que, proveniente do Médio Oriente, tem os países da União Europeia (UE) como destino. Em especial a Alemanha. O que permitiu a Ancara reaproximar-se de Bruxelas. "Não seremos capazes de organizar e estancar o movimento de refugiados se não trabalharmos em conjunto com a Turquia", admitiu a chanceler alemã, Angela Merkel. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vislumbrou uma oportunidade: "Se precisam de nós, por que não nos integram na UE?".

Com uma posição reticente face à gestão conjunta do drama dos refugiados, Erdogan já capitalizou várias cedências. Primeiro, a UE parece ter deixado cair parte das objecções de países como a Alemanha e a França à adesão turca, ao confirmar a readmissão das negociações, estancadas desde 2005. A sempre presente questão da divisão de Chipre não foi sequer abordada. E depois de Erdogan ter rejeitado a primeira proposta europeia de apoiar Ancara a acolher e realizar a triagem dos migrantes com 3 mil milhões de euros, Merkel acabou por reconhecer ser necessário um apoio "equiparável" ao esforço turco no acolhimento de refugiados. O presidente turco contabiliza esse esforço em 7,2 mil milhões de euros.

O Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan e do primeiro-ministro Ahmet Davutoglu, "tem sabido explorar muito bem a incapacidade da UE em lidar com a crise dos refugiados", considera Isabel David, professora de Ciência Política no Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). "É uma arma tão forte que tem permitido que a União e os seus líderes fechem os olhos ao retrocesso democrático na Turquia e prossigam o processo de adesão", continua a autora da tese de doutoramento sobre "O Novo Equilíbrio de poder na Turquia". "Outra arma forte de Erdogan é o combate ao Estado Islâmico (EI)", acrescenta Isabel David. 

 

Interesses contraditórios

Após quatro anos de alheamento, só agora a Turquia alterou a abordagem à guerra civil na Síria. O "volte-face" para a nova estratégia aconteceu depois do ataque terrorista, reivindicado pelo autoproclamado EI, que a 20 de Julho provocou mais de 30 mortos na cidade fronteiriça de Suruç. Ao decretar uma "guerra indiscriminada contra o terrorismo", Ancara passou finalmente a colaborar com a coligação internacional, liderada pelos Estados Unidos, que através de meios aéreos combate as forças terroristas no território sírio há mais de um ano.

No entanto, esta foi também uma oportunidade para atacar os curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) que, em conjunto com os aliados sírios da União Democrática Curda (PYD), ameaçavam consolidar o sonhado Curdistão, ligando o Curdistão sírio e o iraquiano, território que se estende ao longo da fronteira sudeste turca.

E se é verdade que Ancara não escondeu que as suas acções militares poderiam atingir alvos do PKK, organização que considera terrorista, a Turquia tem sido acusada de concentrar esforços apenas no combate aos grupos armados curdos (peshmergas). Ainda esta quarta-feira, a BBC reportava que um grupo curdo sírio armado (YPG), aliado do PKK, foi atacado pelo exército turco na fronteira com a Síria. Foram registadas várias baixas. A professora do ISCSP lembra que "o fim do processo de paz com os curdos não passa de uma manobra de dividir para reinar", uma estratégia que Isabel David resume na ideia de "unir a população ao partido de Erdogan na luta contra o elemento diabolizado: os curdos".

Só que os peshmergas do YPG são uma das forças que tem revelado maior capacidade para, no terreno e com o apoio dos Estados Unidos, impor recuos aos grupos terroristas que também combatem as forças leais ao presidente sírio, Bashar al-Assad. Um claro foco de conflito entre Ancara e Washington. Mas neste jogo de interesses contraditórios, Turquia e Estados Unidos coincidem no objectivo de derrubar o regime vigente em Damasco. Até porque a queda do alauita Assad, importante aliado do Irão na região, reforçaria o protagonismo regional sunita da Turquia e contribuiria positivamente para a imagem interna do regime.

O combate aos curdos não pode ser dissociado das legislativas que, em Junho, ditaram o pior resultado do AKP em 13 anos e a primeira vitória do partido sem maioria absoluta desde 2002. Obra do Partido Democrático do Povo (HDP), que se tornou na primeira força pró-curda a suplantar o limiar mínimo de 10% necessário à entrada no Parlamento. Contudo, a razão que levou à precipitação das eleições gerais turcas - inexistência de maioria absoluta e incapacidade para obter uma coligação maioritária - pode voltar a verificar-se. A generalidade das sondagens mais recentes apontam para a vitória do AKP. Sem a pretendida maioria. Já o HDP, liderado pela dupla Segahattin Demirtas e Figen Yüksekdag, surge com intenções de voto entre os 12% e os 14%.

Este cenário, a concretizar-se, deixará tudo na mesma. E impedirá Erdogan de concentrar o poder executivo através de uma reforma à Constituição, só possível com três quintos dos assentos parlamentares. O que obrigaria à formação de uma coligação e consolidaria o actual parlamentarismo. E também adormeceria a presidencialização do regime, que Isabel David garante ser "o último passo para a consolidação do poder absoluto do AKP e de Erdogan". Mas se uma não maioria do AKP pode até garantir maior vitalidade democrática ao país que, em 2013, nos protestos de Gezi, se revoltou contra o autoritarismo de Erdogan, também pode significar o regresso da Turquia aos tempos de turbulência interna.

 

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