Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
16 de Janeiro de 2006 às 13:59

Traços de um perfil

Para que o propósito de reformar e modernizar o País seja concretizado é preciso também que se proporcionem ao executivo condições para, numa lógica de governação estratégica, criar crescimento económico.

  • ...

Dada a proximidade das eleições presidenciais gostaria de realçar alguns traços de um perfil que, entendo, seriam os desejáveis para o futuro Presidente da República (PR). 

Desde logo convém realçar que é a Constituição da República Portuguesa – na sua Parte III, relativa ao Poder Político – que apresenta um perfil (político e jurídico) para este importante órgão de soberania. Não obstante se poder presumir que a generalidade dos portugueses conhecem as exigências deste perfil, não será demais recordar os traços principais ditados pelo diploma fundamental do País: o PR é, sobretudo, o garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas.

E se no âmbito do «espírito constitucional» deve ser congregador, regulador político e referência para todos, fora do âmbito constitucional, e num momento histórico particularmente desafiante para o País, o perfil desejável – e nisto presumo existir largo consenso – passará por um PR conciliador, que promova o diálogo social. Será necessária a habilidade política e a capacidade de um estadista para, ouvindo, mobilizar as pessoas, incutindo-lhes confiança e fazendo-lhes acreditar que é possível superar o actual momento e que este pode ser meramente conjuntural.

Tal como em qualquer situação patológica, é preciso que se acredite que esta crise tem carácter transitório e que, com vontade e empenho, pode ser debelada. Aliás, na maioria dos países da UE – em particular nas principais economias europeias, que vivem a actual crise socio-económica – os dirigentes políticos, cientes de que só assim conseguirão relançar a economia, esforçam-se por deixar mensagens de optimismo e confiança aos seus cidadãos e por promover a participação dos agentes económicos e sociais nos processos de concretização das reformas necessárias.

Em Portugal, torna-se fundamental encontrar um rumo para o desenvolvimento sustentável – que permita, a um tempo, conciliar os interesses das empresas e a competitividade e os interesses do mundo do trabalho – mas, para que isso aconteça, o País precisa de estabilidade. Além disso, deve ser reforçada a solidariedade institucional: se aos cidadãos se pede solidariedade social, por maioria de razão, essa solidariedade deve ser exigida às instituições políticas.

Em 2005, o actual executivo deixou perceber que tem propostas para desenvolver o País a médio prazo. A opção pelo Plano Tecnológico, direccionado para o conhecimento, a tecnologia e a inovação e a aposta no Programa plurianual de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias, que visa convidar os empresários a investir, são disso exemplo. Também a recente aprovação de alguns investimentos como, por exemplo, a construção da maior refinaria de petróleo da Península Ibérica que permitirá criar 800 postos de trabalho, é animadora, num panorama mundial de difícil criação de emprego.

Acresce que, no que respeita à avaliação do clima económico, o ano de 2006 iniciou com boas notícias: Portugal segue uma tendência positiva verificada na Zona Euro. O Inquérito às Empresas e aos Consumidores, conduzido pela Comissão Europeia, refere que o indicador do clima económico em Portugal acompanha a recuperação registada na Zona Euro e na UE. Paralelamente, o clima de negócios, que reflecte as opiniões dos industriais sobre a sua actividade, melhorou em Dezembro último. São, pois, «sinais domésticos» encorajadores.

Mas, em ambiente de incerteza, aguardam-se tempos complexos ao nível do espaço europeu em que o papel da diplomacia portuguesa será certamente decisivo. Não obstante o recente sucesso com a negociação do orçamento europeu para 2007-2013 – salvo in extremis graças a um delicado compromisso – o certo é que há razões para não parar. Este ano segue-se a já anunciada reforma das instituições europeias. Haverá, previsivelmente, propostas ambiciosas, apresentadas pela França e, eventualmente, pela Alemanha. Questões de importância fulcral, nomeadamente, a imigração, o ambiente, a demografia, a educação e a I&D e, ainda, o modelo social europeu continuarão na agenda das cimeiras. Contudo, e no que respeita ao modelo social europeu, existem grandes divergências de entendimento (conhecidas) entre alguns dirigentes de Estados-membros. Voltar-se-á a falar dos desafios da construção de uma «Europa do Futuro». E estes são os desafios internacionais da UE mas também os desafios internos de cada País. Não estarão em causa só as questões financeiras mas as questões relacionadas com o desenvolvimento económico e social dos Estados e a sua competitividade. É assim que será desejável que o PR - com uma visão humanista – defenda a valorização do recurso humano português e promova a sua capacidade de trabalho, realçando – quer dentro, quer fora de fronteiras – as virtudes do tecido humano português.

Depois – e porque parece aumentar a distância entre o poder político e a sociedade civil – exige-se um PR que restituía a voz aos cidadãos. Existe uma crise de confiança nas instituições democráticas (não só nos partidos, mas também na justiça, na educação, na saúde, na segurança social) pelo que é urgente reavivar a consciência cívica nacional. Actualmente – e quando, por motivos vários, são urgentes reformas institucionais de fundo – são poucos os cidadãos que acreditam na transparência das decisões do poder político. Esta opacidade prejudica a democracia e deve ser vigiada pelo PR. E, o parece ser mais preocupante, existe uma atitude de indiferença generalizada – que parece ter-se instalado na sociedade portuguesa relativamente a abusos, a injustiças e a corrupções – que tende a naturalizar e a compreender tudo e todos. Já são poucos os que se indignam. O relativismo ético ganha força: encolhe-se os ombros e suspira-se um «paciência» ou um «olha aquele, lá vai fazendo pela vida?». É preciso um PR atento que entenda estes sinais da sociedade. 

À semelhança dos seus parceiros da UE, Portugal atravessa um período de crise económica que se repercute no aumento do desemprego. De acordo com a OCDE, Portugal registou em 2005 uma taxa de desemprego de 7,3%. Nos últimos quatro anos o aumento do desemprego tem sido galopante: se considerarmos que, segundo a OCDE, em 2001 o País tinha uma taxa de desemprego de 4,1% que, desde então, quase duplicou, a preocupação acentua-se. As razões para este aumento do desemprego são várias, mas prendem-se, nomeadamente, quer com o pessimismo e a falta de confiança que as empresas e os consumidores têm na economia (que dissuade o investimento e o consumo), quer, ultimamente, com os movimentos de supressão de emprego. Ora este é, e deverá continuar a ser a médio prazo, outro grande problema para os dirigentes nacionais.

Não obstante as adversidades, importa pois que, qualquer que seja a escolha do eleitorado, o PR eleito tenha a consciência de que este é um Governo dinâmico e empreendedor. Para que o propósito de reformar e modernizar o País seja concretizado é preciso também que se proporcionem ao executivo condições para, numa lógica de governação estratégica, criar crescimento económico. Pelos motivos expostos, exige-se agora aos portugueses maior sentido de responsabilidade para assegurar ao País a estabilidade necessária ao seu desenvolvimento sustentado.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio