Opinião
A reforma da Administração Pública: um duplo êxito
No actual contexto mundial de evolução socioeconómica – em que a assunção de compromissos em matéria social se tem revelado cada vez mais difícil –, o recente Acordo relativo ao novo sistema de avaliação da Administração Pública representa um duplo êxito
No actual contexto mundial de evolução socioeconómica – em que a assunção de compromissos em matéria social se tem revelado cada vez mais difícil –, o recente Acordo relativo ao novo sistema de avaliação da Administração Pública representa um duplo êxito no âmbito do seu vasto propósito de reforma: demonstra que é possível recuperar a eficácia da Administração e, simultaneamente, reforçar o diálogo social em Portugal.
No nosso país é há muito sentida a necessidade de, a muitos níveis, recuperar a eficácia do sistema público, tornando-o capaz garantir a satisfação do interesse dos cidadãos e de fomentar o estabelecimento de um ambiente de investimento favorável.
A este título vale a pena recordar que, ao longo da década de 1990, países como a Noruega, a Dinamarca, a Suécia e a Finlândia – quatro dos países mais modernos do mundo – conseguiram, em ambiente de paz social, transformar uma Administração “esclerosada” numa Administração moderna e eficiente, aspecto que esteve na origem da retoma económica do quarteto nórdico.
E quer no que respeita à reorganização das estruturas da Administração, quer no que concerne à reorganização dos recursos humanos, a reforma em curso em Portugal aponta para um novo futuro, no âmbito do qual a actividade dos serviços e os resultados obtidos serão ajustados em função do objectivo de melhorar a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.
Mas convém realçar que a implementação da reforma da Administração exigirá que se imponha como central o envolvimento e a participação dos trabalhadores nos propósitos de resolução dos problemas concretos que conduzam a uma maior eficiência.
E quando atravessamos um período socio-económico em que se lançam novos desafios à acção sindical, a recente aprovação do novo sistema de avaliação da Administração Pública por dois dos três sindicatos presentes nas negociações – a Frente Sindical da Administração Pública (Fesap) e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), ambos afectos à UGT – não pode deixar de assumir relevância fundamental.
Mostrando compreender estes desafios, estes sindicatos evidenciaram uma visão estratégica das questões relacionadas com a reorganização do modelo de Administração Pública. Ao longo da negociação os representantes sindicais propuseram (e alcançaram) importantes alterações no sentido de colocar à disposição dos trabalhadores mecanismos de reforço no acompanhamento e na definição de todo o sistema de avaliação. Assegurando uma imprescindível transparência deste sistema, ao longo do processo negocial foram concretizadas importantes medidas, designadamente, a criação de uma comissão paritária para responder a reclamações, a possibilidade de os funcionários apresentarem recursos com base nas avaliações feitas aos colegas, a maior publicitação dos resultados da avaliação ou o aumento das possibilidades de obtenção de prémios não pecuniários através de um sistema de créditos.
Acresce que, ainda no âmbito desta reforma, a revisão dos regimes de vínculos, carreiras e remunerações representa, em particular, um passo decisivo para – como advogo há algum tempo – a afirmação no sector público de políticas de gestão que repousam num conjunto de práticas que promovem a formação, a competência/mérito e a responsabilidade (Almeida, P.P. e Rebelo, G., A Era da Competência, RHEditora, 2004).
A verdade é que o regime até agora vigente peca por diversos anacronismos. A grande complexidade na tipologia de carreiras (de regime geral, de regime especial, corpos especiais e categorias isoladas; carreiras verticais e carreiras horizontais); o elevado número de carreiras com conteúdos funcionais idênticos e proliferação de carreiras de regime especial, muitas vezes sem justificação funcional (com mais de 653 carreiras de regime geral, de 119 carreiras de regime especial e corpos especiais e de 407 categorias isoladas); a dinâmica das carreiras muito baseada na antiguidade e em níveis de avaliação de desempenho generalizadamente obtidos, de natureza quase automática ou baseada em concursos com procedimentos excessivamente burocratizados; o número excessivo de posições salariais diferentes (mais de 522 posições); a inexistência de mecanismos remuneratórios relacionados com o desempenho; a inexistência de relação entre os mecanismos de gestão dos recursos humanos e as necessidades da gestão global dos serviços são, entre outros, alguns exemplos.
Ora – orientado pelos princípios gerais da subordinação ao interesse público e a princípios de imparcialidade e transparência da gestão dos recursos humanos da Administração Pública –, a proposta do novo sistema de vínculos, carreiras e remunerações sugere, entre outras, uma aproximação ao regime laboral comum; uma perspectiva de carreira para os trabalhadores com evolução remuneratória associada à avaliação de desempenho e à prestação de provas; a gestão dos recursos humanos dos serviços públicos baseada na actualização anual dos mapas de pessoal e na identificação do pessoal necessário à execução das actividades, sendo estas condicionadas pelas atribuições, objectivos (plurianuais e anuais) e recursos financeiros disponíveis; o aumento das capacidades de gestão dos dirigentes, com reforço da necessidade de fundamentação dos actos de gestão e da sua transparência; e o incremento da contratação colectiva.
Em síntese, dois dos principais princípios relativos a carreiras são agora o da sua simplificação – dando origem a carreiras com designações e conteúdos funcionais mais abrangentes – e o da sua dinâmica.
E se considerarmos que a Administração Pública deve, acima de tudo, ser reestruturada no sentido de assegurar uma melhoria na eficiência dos serviços, é inegável que, com a reforma em curso, este objectivo parece agora muito mais perto da sua concretização.