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Por uma política de discriminação positiva no ensino das ciências e das tecnologías

A degradação do nosso sistema de ensino levou, entre outras consequências, ao afastamento dos jovens da aprendizagem da matemática, matéria por excelência da disciplina e do rigor.

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O parlamento acaba de aprovar legislação impondo a discriminação positiva na elaboração das listas de deputados em benefício da população feminina. É por isso oportuno, e de grande utilidade para o futuro do país, que se aproveite esta embalagem discriminatória, para tomar algumas medidas realmente relevantes para a economia das portuguesas - e dos portugueses – agora em benefício da formação de quadros na área das ciências e das tecnologias.

O país deveria estar ciente e preocupado com a distorção da estrutura da oferta de licenciados relativamente às necessidades do mercado.

Temos vindo a assistir tranquilamente ao aumento do desemprego de licenciados, ao mesmo tempo se registam carências de graduados nas áreas tecnológicas. (A Cisco Systems prevê que em 2008 haverá na União Europeia um déficit de meio milhão de especialistas em telecomunicações).

A proporção de graduados nas áreas da ciência e da engenharia no total dos graduados do ensino superior foi, em 2003, em Portugal de 19% contra 29% na Finlândia e 30% na  Suécia. Esta distorção pouco percebida é mais grave que o facto, esse sim abundantemente glosado, da baixa proporção de licenciados entre a população.

Aquela situação tem efeitos graves e amplos sobre o sistema produtivo. Em 2002 o número de patentes produzidas em Portugal, por cada milhão de habitantes, era de 0,6, contra 100,4 na a Suécia e 114,1 na Finlândia.

O conhecimento objectivo da gravidade destes factos já existe. Já lá vai o tempo em que o governo português recusava submeter os jovens portugueses aos testes do programa PISA da OCDE para, desajeitadamente, esconder(1) a situação que agora é evidente: o ensino primário e secundário prepara muito bem para a ignorância da matemática e das ciências. Depois, na universidade e na vida profissional aquela cultura conduz a resultados desastrosos, nomeadamente na escolha dos cursos e na produção de patentes.

O número de cientistas e engenheiros entre a mão de obra na indústria não só é muito baixo – 12% em 2004 – mas o seu número diminuiu entre 2000 e 2004. Enquanto a Irlanda e a Finlândia têm uma elevada percentagem destes técnicos entre a população industrial – 45% e 35%, respectivamente – e seu número cresceu, entre 200 e 2004, a ritmos anuais médios elevados (9% na Irlanda e 6% na Finlândia).

A degradação do nosso sistema de ensino levou, entre outras consequências, ao afastamento dos jovens da aprendizagem da matemática, matéria por excelência da disciplina e do rigor. Chegados à universidade, as escolhas dos cursos são, em grande medida, fruto do horror às matemáticas. Este é bem acarinhado por uma certa cultura – dominante entre as elites políticas e sociais – de desprezo pela matemática e pelas ciências. Não é invulgar ouvir afirmações públicas de certas personalidades, assumindo, com displicência e aprovação social, ignorância nas matemáticas e nas ciências; relativamente às ciências sociais e às humanidades ninguém, no seu perfeito juízo, ousará revelar a mais leve ignorância.

Têm sido produzidos estudos sobre as causas da fuga às matemáticas e têm-se ensaiado tímidos programas de melhoria, logo abortados, vítimas de contradições várias.

Mas há uma necessidade incontornável: as formações em ciências e tecnologia deverão ser socialmente prestigiadas e economicamente compensadas.

Como referi atrás, persistem complexos muito nocivos que conduziram à ideia de que as ciências sociais e as humanidades são o domínio nobre e as áreas próprias de cultura das elites dirigentes. As ciências e as tecnologias seriam as tarefas dos novos operários, em suma da nova classe dominada. Recusar estudar estas matérias é o equivalente actual da recusa, já antiga, aos trabalhos duros e manuais.
Trata-se de uma ilusão de novos ricos.

A dura realidade mostra que é nos empregos das áreas tecnológicas que está o futuro. Assim, é do interesse particular das famílias encaminhar os seus filhos para essas áreas. Mas, é também do interesse nacional promover fortemente a formação naquelas matérias.

As acções a empreender, para serem eficazes, terão que ir contra os hábitos pouco inovadores da nossa política educativa.

Proponho que todos os estudantes das áreas tecnológicas sejam beneficiados – independentemente dos rendimentos das respectivas famílias – com generosas bolsas de estudo. O valor da bolsa deveria ser pelo menos igual ao custo de oportunidade da frequência do curso universitário. Esse valor, em média, não deverá afastar-se muito dos 1.000 euros mensais. As bolsas deveriam ser atribuídas sem burocracias e sujeitas apenas a uma singela condição: aproveitamento nos estudos.

Para compensar as despesas com estas bolsas, os poderes públicos reduziriam o financiamento aos cursos fora das áreas científicas e tecnológicos para os quais o mercado está saturado.

(1) Há países que ainda continuam a pretender esconder o sol com a peneira. Por exemplo, a França não tolera por a nu a injustiça do seu sistema de ensino e censura os dados que, no projecto PISA da OCDE, permitem evidenciar as desigualdades sociais que aquele reproduz e amplia.

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