Opinião
Uma zona franca para Sines e Beja
As zonas francas não são um instrumento menor e estão em crescendo em todo o mundo. No caso português, deveriam ocupar um lugar destacado na política económica, ao invés do desprezo de que são objecto.
Em 2015 escrevi, neste jornal, um artigo sugerindo a criação de zonas francas como instrumentos de crescimento para economia portuguesa. O impacto foi de estranheza e de indiferença, revelando-se geral ignorância sobre as possibilidades e a importância real deste instrumento de política económica. Merece, por isso, referência e saudação um facto, noticiado em 21 de Abril no Público: o presidente de uma associação privada (Jorge Almeida, presidente da Comunidade Portuária e Logística de Sines) atreve-se a propor uma zona franca industrial e comercial nas áreas do aeroporto de Beja e do complexo de Sines.
O fracasso das políticas anteriores
O fracasso das políticas anteriores de corrida às infraestruturas e à procura de negociação de grandes projectos politicamente negociados (PIN) há muito que exige reflexão e mudança. Mas continuamos a insistir.
As sucessivas promessas goradas não bastaram para arrepiar caminho. O país beneficiou, a vários níveis, com os vastos fundos europeus, mas, tirando pequenos impulsos, bem identificáveis, foi perdendo posição relativa na economia europeia. Agora, com nova vaga de fundos, volta a cair nas mesmas ilusões, como se não tivesse passado já pela mesma vã esperança.
Embora a procura dos poderes públicos pelos PIN e pela construção de infraestruturas seja importante, não chega, como a experiência tem mostrado. Se um acréscimo de novas infraestruturas não deva ser rejeitado, as já existentes são mais que suficientes para que o país não tivesse rastejado no seu caminho para a convergência real com os parceiros da UE.
O caso da AutoEuropa é muitas vezes referido como exemplo a seguir, quando demonstra exactamente o contrário: estes grandes projectos são importantes, mas insuficientes e não multiplicáveis no quadro da política económica há muito em curso. Tal como a AutoEuropa, o centro de dados recentemente anunciado para Sines (€3,5 biliões de investimento e 1.200 postos de trabalho directos) é bem-vindo e pode ser um sucesso em si, mas está destinado a ter igual destino solitário.
Um segundo óptimo acessível: as vantagens das zonas francas
Dada a dificuldade política de criação de condições para o investimento - a liberalização geral - devido ao atavismo das principais forças políticas, as zonas francas industriais e comerciais são o instrumento a privilegiar enquanto segundo óptimo da política económica.
Em geral, este segundo óptimo confere credibilidade e aceitabilidade para atrair investimentos internos e externos e, face à actual política, é menos arriscado, incorre em menores custos e, finalmente, gera melhores resultados. Em particular, devemos sublinhar cinco vantagens.
Primeiro, alarga as possibilidades, permitindo o aparecimento de projectos que os decisores públicos - por mais capacidade e empenhamento que tenham - não podem conhecer ou mesmo imaginar.
Segundo, quebra as resistências à liberalização geral, reduzindo os riscos políticos tantas vezes invocados para a paralisia.
Terceiro, é de evidente transparência contra opacidade dos PIN.
Quarto, gera o desejo de imitação pelo exemplo que pode constituir para multiplicar noutras zonas do país.
Quinto, sendo uma política gradual, de pequenos passos, permite testar a política de liberdade económica visando uma política idêntica posterior para todo o país.
Viabilidade e importância das zonas francas
De acordo com a OCDE e a OIT, as zonas francas proliferaram por todo o mundo nos últimos 25 anos. Existem actualmente 3.500 zonas em 130 países contra 176 casos em 47 países em 1986 e 79 casos em 25 países em 1975. O emprego directo gerado nestas zonas deve aproximar-se, actualmente, de 66 milhões de pessoas.
Em Portugal é comum o mito de que a figura de zona franca industrial e comercial não se enquadra nas regras da UE. Não só o instrumento é possível como ele tem sido utilizado com agressividade e sucesso por diversos países. No contexto da crise do euro, a Spiegel noticiou, em 25/12/2012, que o governo alemão elaborara, para acelerar o crescimento dos países do sul, um plano em 6 pontos, um dos quais consistia na criação de zonas francas sob a designação de zonas económicas especiais centradas nos incentivos fiscais e na simplificação e aligeiramento da regulação económica.
Na UE, no fim de 2020, existiam 63 zonas francas. Dos 27 países, apenas 7 não têm qualquer caso e de 13 países têm mais de um caso. São significativos os países com maior número de zonas francas: com 8 a República Checa, com 7 a Espanha e Polónia, e com 6 a Roménia e Bulgária.
O caso notável da Irlanda deve ser mencionado. Embora não tenha agora qualquer zona franca, a Shannon Free Zone, que só em 2019 deixou de conceder incentivos, teve um papel importante no crescimento do país. Criada em 1959, seis anos depois já era responsável por 1/3 das exportações industriais do país.
Como se sabe Portugal tem apenas a zona franca da Madeira, de âmbito muito limitado e sem impacto nas áreas industriais e comerciais.
Lembrar o mito de Sines: o insucesso de 50 anos de dirigismo
O estudo da história do mito do complexo de Sines é de um ensinamento fundamental para compreender o fracasso da política económica portuguesa do último meio século.
O último episódio da história de insucessos ocorreu já este ano - nos 50 anos da criação formal complexo em 1971 - com a desertificação do concurso para a concessão do terminal Vasco da Gama.
O complexo industrial de Sines teve origem no III Plano de Fomento (1968-1973) e foi aprovado em 1971 como local ideal para implantar as indústrias de base. Os argumentos apresentados como garantes das estratégias seguidas foram variando à medida da sucessão dos fracassos: o melhor porto de águas profundas, a excelência da localização estratégica (proximidade do mediterrâneo, de África, ligação ao Extremo Oriente, Norte da Europa), a saturação do porto de Roterdão, etc. As desculpas para os fracassos também foram evoluindo, terminando agora, como não podia deixar de ser, com a pandemia.
O traço comum nesta história - que representa muito bem a história da política económica portuguesa - é a atribuição aos poderes públicos da responsabilidade pela escolha dos projectos concretos para o complexo: as indústrias de base, na origem em 1971, evoluíram depois para: a base logística para a Europa, a área da energia - com o hidrogénio agora à cabeça - o agronegócio (porta de entrada na europa dos cerais brasileiros), a área digital (via cabo submarino de fibra óptica, única ligação da Europa à América do Norte).
Conclusão
A avaliar pelo entusiasmo geral, e em particular dos poderes públicos, em repetir a política do passado, a iniciativa da CPLS pode estar, infelizmente, destinada ao fracasso. No entanto, a concretizar-se, aquela iniciativa seria de grande importância, não só pelo que significaria para o desenvolvimento de uma região do país, mas pelo exemplo que poderia constituir para a multiplicar noutras zonas de Portugal.
As zonas francas não são um instrumento menor e estão em crescendo em todo o mundo. No caso português, deveriam ocupar um lugar destacado na política económica, ao invés do desprezo de que são objecto.