Opinião
A TAP é uma empresa “estratégica” ou pode falir?
Apesar dos fortes sinais acima elencados, a TAP é muito importante e – acresce – pode ser salva. Em conformidade – e ao contrário enunciado repetidamente pelos decisores públicos – deveria ser assumido, firmemente, perante todos os agentes e instâncias que ela não pode abrir falência.
A ideia central que preside à justificação do colossal volume de recursos que os poderes públicos se mostram disponíveis para deslocar para a TAP é a de que a empresa é “estratégica”, querendo com isto dizer que é muito importante, ou seja, mais importante do que as muitas outras actividades que vão deixar de ser contempladas com esta alocação de recursos públicos.
A TAP é realmente muito importante para a economia portuguesa, mas não se justificam os montantes que os decisores públicos se aprontam para lhe alocar. A sua salvação deveria ser conduzida pelo capital privado. É a própria aposta no capital estatal que a pode conduzir à ruína e, quiçá, ao seu desaparecimento.
O risco de desaparecimento da TAP torna-se já evidente ao observar as contradições e falta de orientação da política posta em marcha. O jurado amor à TAP soa a falso. Numerosos sintomas observados no comportamento dos poderes públicos desmentem, contraditoriamente, a publicamente declarada importância atribuída à empresa. Na verdade, as dúvidas sobre a natureza “estratégica” da TAP atormentam e dilaceram a vontade dos poderes públicos. Alinho a seguir cinco sintomas que considero muito relevantes e reveladores.
Primeiro, foi colocada, repetidamente, a hipótese de falência da empresa em resultado da actual crise acelerada pela pandemia. Já em Maio, os responsáveis políticos punham a falência como uma das saídas a considerar. Mais recentemente, já em Dezembro, igual solução foi avançada como saída se o plano de reestruturação apresentado não for aprovado por Bruxelas. Admitiu-se explicitamente a liquidação, rechaçando-se, firmemente, um plano B, no caso de Bruxelas chumbar as propostas agora formuladas. Esta admissão só pode revelar a pouca importância que, no fundo, é atribuída à empresa.
Segundo, a reversão da privatização foi justificada com o argumento da necessidade de assegurar a natureza estratégica da empresa, desiderato só conseguido, disse-se, com o seu controlo público. Mas, a reversão – com um contrato obtuso e em parte, não revelado – deixou, contraditoriamente com os princípios proclamados, o controlo da TAP aos privados, anulando mesmo o fundamento da reversão, a saber, incapacidade dos privados de defenderem os traços que conferem importância à companhia.
Terceiro, a pouca energia empenhada nas negociações com Bruxelas para desenhar o plano de reestruturação da empresa. A tibieza revelada não condiz com o discurso tonitruante sobre a natureza estratégica da empresa. Esta não correspondência não pode deixar de significar que, na verdade, pouca importância é atribuída à TAP. Caso contrário, a empresa não seria deixada tão à mercê das pulsões da Comissão Europeia.
Quarto, a guerra, desencadeada, no processo de renacionalização, com o principal accionista privado da TAP só se justifica se se considerar indiferente o futuro da companhia. Mesmo que se julgue indesejável este privado, é impensável que a companhia possa ser salva sem a participação de volume muito significativo de capital privado. A expulsão do investidor privado, nas condições que ocorreram, é um forte sinal dado aos agentes privados relevantes no sector. A TAP que já não está apetecível, como mostram as dificuldades, reveladas nas últimas décadas, de atrair capital externo, tornou-se ainda menos desejada com o desajeitado comportamento seguido na tomada para o Estado da maioria do capital da companhia.
Quinto, a guerra dentro do Governo revela que a importância da empresa não vale o subordinar e anular as pequenas vaidades e disputas pessoais ou de grupo. Ou seja, no fundo, a importância atribuída à TAP só pode ser, em face deste comportamento, muito reduzida, ao contrário do proclamado. A utilização da empresa para as mais rasteiras manobras políticas não pode deixar de significar um forte desprezo pela companhia.
Apesar dos fortes sinais acima elencados, a TAP é muito importante e – acresce – pode ser salva. Em conformidade – e ao contrário enunciado repetidamente pelos decisores públicos – deveria ser assumido, firmemente, perante todos os agentes e instâncias que ela não pode abrir falência.
A incompreensão pelos decisores públicos do que é e do que pode ser feito com a TAP arrisca a destruição da companhia.
Na verdade, só uma privatização descomplexada e total a pode fazer sobreviver e prosperar. Infelizmente, é a reestruturação e continuidade da empresa sob controlo público que a vai pôr em sério risco.