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Opinião
06 de Fevereiro de 2006 às 13:59

O inadiável derrube do monopólio do INA na formação dos dirigentes da função pública

Muitos dos problemas da ineficiência de largos sectores da nossa economia residem na ausência de concorrência. A simples introdução de competição resolverá, em muitos casos, a maior parte dos problemas.

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Esta ideia, mera constatação técnica, é cada vez mais claramente entendida pelos decisores públicos – mesmo em Portugal.

Porém, a dificuldade é que muitos dos que conhecem esta realidade notam a falta de concorrência apenas no âmbito da actividade dos outros. Os mesmos que, nos mais diversos sectores, públicos e privados, apregoam a concorrência, omitem o facto de serem beneficiários de  injustas situações de protecção,  ou encontram mil argumentos para justificarem a excepcionalidade dos seus casos.

Isto é particularmente grave quando organismos do Estado, actuando como monopolistas e virtuais incumbentes, são os próprios responsáveis das normas reguladoras dos sectores em que actuam. Não se trata, nestes casos, de monopólios como os outros - são monopólios anormalmente prejudiciais.

O actual governo tem revelado firmeza e decisão na introdução de mais concorrência em vários sectores. Esta política deve ser saudada. Todavia, noutras situações fundamentais, como a que agora abordo, assistimos nos últimos meses a indesejáveis retrocessos. É o caso inaceitável do monopólio do INA - Instituto Nacional de Administração – na oferta de formação obrigatória para a promoção dos dirigentes da função pública.

Como já muitos entenderam, a constituição de um corpo de dirigentes altamente qualificados e motivados é um dos desideratos fundamentais da sempre frustada reforma da função pública. As receitas fechadas e proteccionistas que no passado foram ensaiadas já provaram a sua falência. A forma como se procurar resolver este problema é um bom indicador dos resultados que nos esperam.

Os passos recentemente dados não deixam antever resultados positivos.

Recordem-se brevemente os factos relevantes. O governo do Dr. Durão Barroso agarrou bem o problema, tornando obrigatório o aproveitamento em cursos de pós-graduação específicos para a promoção dos funcionários aos cargos de direcção, nomeadamente, chefes de divisão e directores de serviço. A responsabilidade pela oferta desta formação foi então atribuída, em primazia, ao INA. No entanto, foi aberta a possibilidade de outras escolas, privadas ou públicas, concorrerem com o INA nesta oferta. Embora as condições desta concorrência fossem muito tímidas e precárias - remetiam para o próprio INA a certificação das entidades que iriam concorrer com ele - a abertura foi largamente saudada pela introdução do princípio da concorrência nesta área de importância capital.

Várias escolas entenderam esta abertura, enfrentaram com confiança o desafio e prepararam diversos cursos de pós-graduação em Gestão Pública. Apareceram  então vários projectos inovadores com a leccionação assegurada por professores doutorados e especialistas altamente qualificados. Esta oferta, gerada em ambiente muito concorrencial, permitiria oferecer verdadeiras escolhas de grande qualidade.

Subitamente, na segunda metade de 2005, a legislação na matéria é alterada no sentido de não permitir, na prática, a oferta de cursos concorrentes dos do INA. Consagrou-se, numa inaceitável marcha atrás, o monopólio daquele organismo estatal.

Este  atavismo proteccionista provocará efeitos que não é difícil prever, alguns dos quais começaram já a verificar-se.

Primeiro, a mudança súbita e errática - contraditória com outros certeiros movimentos do governo – reforça a desconfiança face aos decisores públicos. A legislação é alterada, no espaço de poucos meses, sem outro intuito que não o de reforçar privilégios  inaceitáveis em área de evidente elevado interesse público. Este arrepio, para além de errado, é injusto. As escolas responderam ao desafio inicial, mas com a inesperada viragem ficam incapacitados de concretizar as iniciativas que prepararam. Mais uma vez, o Estado falha e reafirma a sua vocação para o arbítrio e para gerar desconfiança.

Segundo, este monopólio vai impedir a melhoria da qualidade na oferta de formação dos dirigentes da função pública que, naturalmente, ocorreria com a introdução de concorrência. Note-se que alguns dos cursos que estavam em preparação deixavam prever os elevados benefícios que poderiam ocorrer com a superior qualidade das acções previstas. Certas iniciativas, das mais valiosas, estão a ser desmobilizadas ingloriamente e com elevados  prejuízos.

Terceiro, o monopólio estatal vai desperdiçar, desnecessariamente, recursos públicos escassos. A oferta de cursos realiza-se de forma muito menos eficiente do que ocorreria se aqueles fossem oferecidos, em ambiente competitivo, por diversas escolas. A avaliar pelo que ocorre em situações próximas, a formação pública, nas actuais condições, obrigará a custos que não andarão longe do dobro do que ocorreria no sector privado em situação de concorrência.

Quarto, haverá um estrangulamento no processo de formação dos quadros da função pública. O monopólio Estatal não terá capacidade para formar, na escala necessária à dimensão dos problemas existentes, a grande massa dos nossos quadros públicos.

O monopólio, na maior parte dos casos, é socialmente nocivo: da consolidação dos interesses dos consumidores e dos produtores resulta, em geral, um efeito negativo. No caso em presença este efeito, como se poderia demonstrar, vem agravado.

A permanência deste monopólio é inaceitável e o seu fim inadiável. É um dever fazer o necessário para o derrubar com brevidade(1).

(1) O conteúdo desta crónica suscita uma nota de enquadramento. Julgo que a argumentação avançada merece reflexão ponderada, à luz da boa economia política da matéria examinada. Daí que talvez fosse dispensável manifestar o interesse particular do autor na conclusão final, que tão claramente vem explicitada. Esse interesse, que existe e é legítimo, vai ao encontro do interesse público.

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