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Opinião
11 de Janeiro de 2008 às 13:59

A declaração de Spinoza

Meus queridos leitores, fiquei esta semana surpreendido com a curta declaração do nosso Ministro das Finanças sobre a actual crise no BCP e o mal compreendida que a mesma foi. É que o nosso Ministro revelou-se próximo de Spinoza, notável filósofo do sécul

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Pois é, a família de Spinoza fugiu para Amsterdão vítima da Inquisição Espanhola, o que nos fez perder para os holandeses tão notável pensador. O nosso Ministro, pelo seu lado, é agora vítima da moderna inquisição portuguesa, o que provavelmente o levará não para Amsterdão – dada a redução das distâncias nos dias de hoje – mas para a calota polar, em homenagem aos calotes que os portugueses tentam passar ao fisco. Note-se também que Spinoza ganhava a vida a manufacturar lentes, o que constitui nova semelhança com o nosso Ministro, por revelar em ambos um acuto sentido da visão.

Com efeito, se é verdade que Spinoza se iniciou como adepto do dualismo descartiano, mais tarde evolui e admitiu que tudo o que existia na Natureza era uma única Realidade ou substância, que constituía a base do Universo. Não podemos, pois, pensar em polícias e ladrões como entidades distintas e dicotómicas, mas sim como emanações ou frutos do mesmo substracto.

Uma evidência de tal é, por exemplo, a figura de Robin Hood. Foi Robin um ladrão ou um polícia? Estudando minuciosamente esta matéria, a italiana Dulce Fareniente, da Universidade de Rizzotto Degamberini, mostra bem a complexidade do tema no seu paper “Robin of Locksley, ma que ragazzo!”, publicado no número especial sobre Banchieri e Ministri do muito conhecido Giornale Italiano dei Poliziotti e Ladroni. Sustenta Dulce que Robin não foi um ladrão, pois com nada ficou para proveito próprio, destinando tudo aos pobres – pelo contrário, ele próprio foi injustamente espoliado dos seus bens. Para esta investigadora Robin é, então, o verdadeiro fundador do Welfare State. É, sim, o Xerife de Nottingham que abusa de seu poder, apropriando-se de bens e perseguindo injustamente os pobres e menos pobres.

Ainda segundo a mesma autora, Robin não assaltava os colectores de impostos quando atravessam a floresta de Sherwood, mas sim quando se passeavam nas praias (shores) vizinhas de Nottingham. Aliás, de acordo com o Professor Vem Cezomem, é assim que nasce na City a recomendação – hoje tradição – de: “put the money offshore”.

Robin deveria ser perseguido por outras razões: por evasão fiscal e não declaração à Coroa de património e riqueza. Consta, aliás, sem que tenham sido encontrados registos originais, que terá figurado numa lista pública de devedores à Coroa, o que muito fez pela sua popularidade.

Outros historiadores apontam também a Robin o crime de uso de informação privilegiada, pois tinha conhecimento antecipado das rotas dos colectores de impostos, alegadamente transmitido por Lady Marion, que lhe fornecia esta informação num quarto sem janelas do palácio de João Sem Terra, aquilo que vêm alguns como a origem do termo “segredo de alcova” e que explica a referência à Lady Marion na troca de correspondência entre João e o Xerife como “a alcoviteira de serviço”, expressão que mantém nos dias de hoje toda a actualidade. É talvez este carácter inovador para a época das verdadeiras culpas de Robin que explica o facto de não ter sido perseguido pelo Governador de Nottinghamshire.

Fica pois provado, desde os princípios da economia e sociedade pré-modernas, o infundado da visão maniqueísta desta separação entre polícias e ladrões e como, consequentemente, foi grosseiramente exagerado o significado da declaração do nosso Ministro. Mas já agora não peçam ao Senhor Ministro nenhuma declaração sobre os gestores e os accionistas do BCP, ou ainda o ouvimos dizer que “ladrão que rouba a ladrão?”

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando o Jornal de Negócios perguntou a Frederico o que achava da Lista do BCP, Frederico respondeu: Qual? A dos dezassete offshores?

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