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17 de Julho de 2009 às 11:38

O distinto e dilacerante dístico verde

Os automobilistas que, por estacionarem em local proibido, virem os seus carros rebocados em Lisboa vão a partir de agora encontrar no local onde estavam ilegalmente parqueados um dístico a informá-los do facto, bem como do que terão que fazer...

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Os automobilistas que, por estacionarem em local proibido, virem os seus carros rebocados em Lisboa vão a partir de agora encontrar no local onde estavam ilegalmente parqueados um dístico a informá-los do facto, bem como do que terão que fazer para poder levantar a viatura.

A ideia tem tido um acolhimento morno. O Sporting Clube de Portugal acha mal que o fundo do dístico seja verde, tratando-se de algo que representa para a população em geral um acontecimento negativo. Na impossibilidade de ser anulada a decisão ou mudada a cor, por exemplo, para vermelho, a cor da proibição, sustenta o SCP que deverá então ser dada à SAD leonina uma parte da receita destas multas que, "por razões de coerência, deve também ser uma parte leonina". O Vitória de Setúbal já fez saber que, nesta última eventualidade, deveria ser seguida a mesma prática em Setúbal, para "diminuir as disparidades regionais", além de que, sustentam, "desta forma sempre se poderá pagar a alguns jogadores."

A novíssima Associação dos Cidadãos Auto-Disticados Em Muito Ingrata Actuação - ACADEMIA -, considera que esta medida persecutória, pois "não basta a desgraça de ter que se ir recuperar o que nunca se deveria ter perdido, num autêntico atentado ao direito constitucional à propriedade privada, ainda se é alvo de uma recriminação pública e escrita". A Polícia Municipal, essa, reclama um reforço de verbas por conta dos dísticos que foi necessário mandar imprimir, despesa que não estava prevista na sua dotação orçamental. O tio José, da "Gráfica da Graça" (a tal empresa que imprimiu os dísticos, assim chamada porque, como diz o tio Zé: "não só fica na Graça, como a Graça é a minha prima, em nome de quem tive que pôr a empresa por causa das dívidas ao fisco") queixa-se, pelo seu lado, que quando foi entregar os dísticos lhe rebocaram a camioneta e nem sequer teve direito a dístico. "Rico serviço que fizeram - foi o seu comentário - uma ilegalidade".

Preocupado com este grave problema nacional, dei então comigo a reflectir sobre tão original medida que em mais lugar algum se vê. Quem teve tal ideia? Porquê? Que fins visa? Será que alguém se vai lembrar de querer fazer o mesmo aqui, nas Penhas Douradas? E resolvi investigar.

Uma das minhas primeiras fontes foi uma pessoa da máquina municipal, que me explicou o grande objectivo da medida: informar o munícipe. "O direito à informação está garantido na Constituição, além de que não queremos que o cidadão fique angustiado a pensar o que lhe aconteceu à viatura. Sabe, nós não somos ladrões." E por aqui me fiquei, foi uma retirada estratégica.

A segunda injustiça foi eu ter pensado que a medida era original. Já na China da Alta Idade Média o Imperador Xem-Xa-Bão, o Porco, decretou o pagamento de multa por mau estacionamento das carroças, cavalos, burros e mulas. O meio de transporte mal estacionado era "rebocado" e deixada uma mensagem a informar o dono, cuja apresentação era obrigatória para a recuperação da carroça e animal. Consta que tal veio a estar na origem da invenção do papel moeda, na essência a mesma ideia: um meio intermediário na troca. Esta medida ficou pouco conhecida pois pouco tempo depois o Imperador foi deposto na sequência das revoltas dos Xem-Xê-Ta, palavra chinesa que significa "pobre", e a medida abolida, pois os cavalos, burros e mulas foram comidos na altura.

Na Inglaterra vitoriana a ideia foi recuperada e criados os "warning citations", impressos que sinalizavam o arresto dos veículos parqueados em local proibido. Porém, o clima não era propício, pois não só as chuvas frequentes destruíam os impressos que sinalizavam os arrestos, como os populares retiravam os papéis para lhes dar melhor utilização, o que aliás constitui o que se admite ser uma origem da sigla WC, com o significado que lhe damos hoje.

Soluções muito mais criativas nesta matéria são praticadas nos nossos dias em países como os Estados Unidos. Com efeito, podemos comprar na www.niceparkingdude.com um serviço único: mediante um pagamento prévio, deixamos a quem estacionou mal - à porta da nossa garagem ou a bloquear-nos o carro - o e-mail onde o proprietário do carro deverá consultar uma mensagem - qualquer mensagem - por nós depositada para essa pessoa ler numa data "warehouse". A data "warehouse" e a confirmação da leitura da nossa mensagem estão a cargo da empresa, podendo nós dormir tranquilos. E se temos que comprar um bloco de 10 "citations", uma "citation" premiada pela sua originalidade - em qualquer sentido - dá-nos direito a um "refund".

Eliminadas as ideias pré-concebidas, quais são então as reais motivações por detrás desta medida? E foi então que descobri. Verdade, verdadinha é que não é informar; mal o carro é rebocado e o dístico colado, outro carro vai estacionar no mesmo local e até tapar o bendito dístico. O que interessa é pôr o carro do infractor dali para fora depressa para poder apanhar outro em infracção e aumentar as receitas municipais.


Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que pensa do dístico criado para informar os automobilistas cujo carro é rebocado pela Polícia Municipal, Frederico respondeu: "Só falta agora, para que os automobilistas não fiquem com dúvidas, que façam uma lei a obrigar os ladrões a deixar um dístico quando roubam um carro .

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