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27 de Julho de 2009 às 12:07

A cantar é que Susan Boyle se entende

E eu a pensar que só cá na terra aconteciam coisas destas, mas pelos vistos estava errado. Não é que a semana passada o presidente Obama teve que antecipar a sua comunicação à Nação sobre a reforma da Saúde por a NBC se recusar a mudar a hora da...

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E eu a pensar que só cá na terra aconteciam coisas destas, mas pelos vistos estava errado. Não é que a semana passada o presidente Obama teve que antecipar a sua comunicação à Nação sobre a reforma da Saúde por a NBC se recusar a mudar a hora da entrevista à cantora britânica Susan Boyle? Valente mulher, que pelos vistos tem mais audiência que o mais poderoso homem do Mundo. É caso para dizer que se quem canta seus males espanta, ou a mulher espantou o Obama ou ele teve medo de ficar a cantar sozinho. Ainda por cima, esta é a segunda vez que Obama tem azar com Susan Boyle: já em Maio deste ano a senhora Boyle, do alto da sabedoria dos seus 48 anos, tinha recusado a possibilidade de se encontrar com ele. Convidada para participar no White House Correspondent's Dinner, declinou o convite por tal contrariar as regras do concurso em que ela participava, o "Britain's Got Talent". Parece que ela tem o talento de pôr o presidente americano fora de jogo.

Pois é, meus queridos leitores, fiquei impressionado com a mulher. Conhecem muita gente que diga não a um jantar com os Obamas ou que faça o presidente mudar a hora de uma comunicação ao país? Eu não. E se a senhora Boyle diz não ao presidente americano, o que faria a um convite para uma amena cavaqueira com o Presidente português? Provavelmente seguiria os nossos usos e costumes e faria um daqueles gestos à moda do nosso ex-ministro.

Não fiquem agora a pensar, meus queridos leitores, que todos os cantores são tratados assim.

O desgraçado do Mohsen Namjoo, o Bob Dylan persa, foi sentenciado à revelia pelos tribunais iranianos a cinco anos de prisão por ter interpretado alguns versos do Corão numa composição musical. É caso para dizer que uns têm tudo e os outros nada, ou será que o presidente Obama não gosta da flauta persa e a senhora Boyle enche as medidas aos iranianos? Ou é mais uma vez a mão da política que está por trás disto tudo?

A dúvida é legítima, pois o namoro entre a política e a música é tão velho quanto os tempos e ainda hoje quando se quer assegurar num comício a presença de um bom número de gente, discute-se mais quais são os cantores e grupos a contratar do que quem vão ser os oradores.

Basta ver o 1.º de Maio ou a Festa do Avante para se perceber o alcance da coisa. E só não compreendo como é que, com tanta sondagem cada vez que há eleições, ainda ninguém se lembrou de perguntar aos portugueses se preferem ter como primeiro-ministro o eng. Sócrates, a dr.ª Manuela ou o Rui Veloso, e se no Governo devia estar um partido ou os Xutos e Pontapés.

Mas se a política tem tirado dividendos de se apropriar da música, já a História prova que a música não ganha em se chegar à política. O "The Singing Englishmen" de A. Lloyd, publicado em 1944, atribui à revolta dos camponeses ingleses em 1831, a maior revolta popular da história da Inglaterra, a origem da "cutty wren", que entusiasmou o povo e os levou até à tomada da Torre de Londres e à destruição do Palácio de Savoy; porém, música não basta e a revolta acabou por ser rapidamente esmagada e os seus líderes executados. Beethoven dedicou a terceira sinfonia a Napoleão, mas voltou atrás quando este se coroou a si próprio imperador; consta que Napoleão ficou inconsolável e chorou durante um mês. Mais recentemente, em 1971, George Harrison e Ravi Shankar organizaram o famoso concerto para Bangladesh em Nova Iorque, no Madison Square Garden; o Bangladesh, esse, continuou sem concerto. Em 1983, Nena Interpretou o seu famoso "99 Luftballons" em protesto contra a guerra fria; o muro tremeu, mas infelizmente não caiu, e Erich Honeker teve azia durante três semanas, mas a coisa não deu nem para uma úlcera. Dois anos mais tarde, a 21 de Novembro de 1985, são formados os Red Wedge, com o fim de acabar com o governo da senhora Thatcher; todos nos lembramos que em 1987 a "dama de ferro" ganhou pela terceira vez as eleições e ninguém se lembra quem foram os Red Wedge, extintos em 1990, portanto antes dos conservadores. George Michael, em protesto contra a BB (a aliança Bush-Blair, não a actriz francesa nem a gasosa) tentou "matar o cão" em Agosto de 2002, mas o tiro saiu-lhe no pé.

Em 2004, Bruce Springsteen e os REM "arrebanharam" uns quantos colegas e amigos para, no espírito do "cantando espalharei por toda a parte", tentar pôr a marchar o senhor Bush, mas este teve uma vitória muito mais folgada que a sua (na verdade derrota) anterior.

Pois, meus queridos concidadãos, aproxima-se um Verão quente, com repetidos compromissos eleitorais, e os festivais de música pimba e discursos em tom pumba que os acompanham. Com tão brilhantes exemplos da História, só me resta sugerir aquele que acredito pode ser o novo slogan nacional: vão cantar para outra freguesia!
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