Opinião
[333.] Kate Moss, Gisele Bündchen, CGD, CascaiShopping
Se Ralph Lauren fotochopa os seus modelos de forma a torná-las barbies esquélitas, muitos outros anunciantes recorrem também à manipulação digital para adaptar o mundo real a ideais de beleza reinantes ou por eles fomentados.
Se Ralph Lauren fotochopa os seus modelos de forma a torná-las barbies esquélitas, muitos outros anunciantes recorrem também à manipulação digital para adaptar o mundo real a ideais de beleza reinantes ou por eles fomentados.
As obras artísticas, ao longo dos milénios, representaram a mulher de acordo com os desejos dos homens do tempo ou para cumprir determinadas funções, como é o caso das pré-históricas “vénus”: gordíssimas, de ancas quase mais largas do que a altura do corpo e de peitos maiores que balões. Estas estatuetas, encontradas por toda a Europa e Mediterrâneo, representavam o mistério da fertilidade feminina e certamente exageravam as formas das mulheres nossas antepassadas para que a estatueta pudesse cumprir a sua função mágica.
As mulheres gordas já regressaram à arte ocidental noutros períodos, sendo o mais conhecido o barroco, que produziu as gordinhas de Rubens.
Vivemos agora um período contrário ao pneuzinho das rubenescas e ao peitinho de rola celebrado mais tarde por Eça de Queirós. Dominam as esqueléticas. A Barbie tornou-se realidade, como a estátua esculpida por Pigmaleão, rei de Chipre, que, a seu pedido, Afrodite transformou em mulher. Graças à anorexia e ao photoshop, temos mulheres-Barbies em todas as revistas, painéis e intervalos publicitários. Os modelos de plástico ou de gesso que enfeitam as lojas sempre foram magros, para ocuparem menos espaço, poderem manejar-se facilmente e porque, de facto, um corpo “proporcionado” (o que quer que isso seja) se tornou exemplo de elegância.
A Barbie exponenciou o ideal esquelético e ele agora passa para a vida real, uma espécie de versão trágica do mito de Pigmaleão. Kate Moss, o mais versátil e persistente modelo feminino, defendeu este mês no site de moda WWD o ideal de “beleza” anoréctico, afirmando "Nada sabe melhor do que ser magra." Moss citava o slogan criado pela WeightWatchers, organização que promove o emagrecimento dos gordos — não o dos magros como ela. O slogan serviu a “magreza extrema como ideal de beleza”, para citar o modelo Katie Green condenando a declaração de Moss.
Aliás, a mesma frase é usada por blogues defensores da anorexia, o que revela como a magreza excessiva é partilhada na sociedade actual como indicador de beleza feminina, apesar de não ser especialmente apreciado pelos homens, como se depreende pelo êxito da carnuda Gisele Bündchen nas revistas masculinas, nas quais as anorécticas não fazem carreira.
Esta divergência de gosto denota que, ao contrário de tempos passados, os exemplos seguidos pelas mulheres resultam hoje mais de opções femininas e menos de imposições do olhar masculino. Explicação adicional do fenómeno: a fotografia tende a realçar os “defeitos” das pessoas, como rugas, borbulhas, sinais, manchas de pele e as próprias dimensões do corpo: um indivíduo equilibrado parece gordo, um gordo parece muito gordo. Por isso, poderá haver a tendência de escolher para modelos pessoas magras.
Contudo, o exagero a que chegam as marcas na criação das suas imagens ultrapassa o razoável. Os anúncios de Ralph Lauren apresentados aqui na semana passada chamaram-me a atenção para dois anúncios portugueses com photoshop absurdo. Um, o de Simone de Oliveira para um produto da CGD para maiores de 55 anos. Além de imitar o anúncio de Louis Vuitton com Catherine Deneuve, o reclame fotochopou a cara de Simone, apagando-lhe todas as suas bem vincadas rugas, que são uma marca forte e positiva da sua personalidade.
Eu, que conheço Simone dos media há quase meio século, não reconheci Simone quando primeiro vi o anúncio: ela parece a sua própria neta, se é que tem alguma! Já o anúncio “fashion 4 you” do CascaiShopping desengonçou o esqueleto do modelo feminino, pondo metade do corpo em ângulo recto com a outra metade; isto já para não falar da inclinação impossível do golpe de rins e do pescoço esquisito: nem a Barbie! São monstros feitos aos bocados, como a criatura do Dr Frankenstein.
--- ect@netcabo.pt
As obras artísticas, ao longo dos milénios, representaram a mulher de acordo com os desejos dos homens do tempo ou para cumprir determinadas funções, como é o caso das pré-históricas “vénus”: gordíssimas, de ancas quase mais largas do que a altura do corpo e de peitos maiores que balões. Estas estatuetas, encontradas por toda a Europa e Mediterrâneo, representavam o mistério da fertilidade feminina e certamente exageravam as formas das mulheres nossas antepassadas para que a estatueta pudesse cumprir a sua função mágica.
Vivemos agora um período contrário ao pneuzinho das rubenescas e ao peitinho de rola celebrado mais tarde por Eça de Queirós. Dominam as esqueléticas. A Barbie tornou-se realidade, como a estátua esculpida por Pigmaleão, rei de Chipre, que, a seu pedido, Afrodite transformou em mulher. Graças à anorexia e ao photoshop, temos mulheres-Barbies em todas as revistas, painéis e intervalos publicitários. Os modelos de plástico ou de gesso que enfeitam as lojas sempre foram magros, para ocuparem menos espaço, poderem manejar-se facilmente e porque, de facto, um corpo “proporcionado” (o que quer que isso seja) se tornou exemplo de elegância.
A Barbie exponenciou o ideal esquelético e ele agora passa para a vida real, uma espécie de versão trágica do mito de Pigmaleão. Kate Moss, o mais versátil e persistente modelo feminino, defendeu este mês no site de moda WWD o ideal de “beleza” anoréctico, afirmando "Nada sabe melhor do que ser magra." Moss citava o slogan criado pela WeightWatchers, organização que promove o emagrecimento dos gordos — não o dos magros como ela. O slogan serviu a “magreza extrema como ideal de beleza”, para citar o modelo Katie Green condenando a declaração de Moss.
Aliás, a mesma frase é usada por blogues defensores da anorexia, o que revela como a magreza excessiva é partilhada na sociedade actual como indicador de beleza feminina, apesar de não ser especialmente apreciado pelos homens, como se depreende pelo êxito da carnuda Gisele Bündchen nas revistas masculinas, nas quais as anorécticas não fazem carreira.
Esta divergência de gosto denota que, ao contrário de tempos passados, os exemplos seguidos pelas mulheres resultam hoje mais de opções femininas e menos de imposições do olhar masculino. Explicação adicional do fenómeno: a fotografia tende a realçar os “defeitos” das pessoas, como rugas, borbulhas, sinais, manchas de pele e as próprias dimensões do corpo: um indivíduo equilibrado parece gordo, um gordo parece muito gordo. Por isso, poderá haver a tendência de escolher para modelos pessoas magras.
Contudo, o exagero a que chegam as marcas na criação das suas imagens ultrapassa o razoável. Os anúncios de Ralph Lauren apresentados aqui na semana passada chamaram-me a atenção para dois anúncios portugueses com photoshop absurdo. Um, o de Simone de Oliveira para um produto da CGD para maiores de 55 anos. Além de imitar o anúncio de Louis Vuitton com Catherine Deneuve, o reclame fotochopou a cara de Simone, apagando-lhe todas as suas bem vincadas rugas, que são uma marca forte e positiva da sua personalidade.
Eu, que conheço Simone dos media há quase meio século, não reconheci Simone quando primeiro vi o anúncio: ela parece a sua própria neta, se é que tem alguma! Já o anúncio “fashion 4 you” do CascaiShopping desengonçou o esqueleto do modelo feminino, pondo metade do corpo em ângulo recto com a outra metade; isto já para não falar da inclinação impossível do golpe de rins e do pescoço esquisito: nem a Barbie! São monstros feitos aos bocados, como a criatura do Dr Frankenstein.
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