Opinião
[779.] John Lewis & Partners; Continente, Intermarché
O anúncio de Natal dos armazéns britânicos John Lewis é um "must" cinematográfico da era da internet. Já leva mais de nove milhões de visionamentos no Youtube.
O filme de 2'20 está construído numa versão reduzida de uma das mais perenes canções pop do século XX, "Your Song" composta por Elton John e Bernie Taupin e editada em 1970. A canção, escreveu um crítico na altura, é "quase perfeita" na melodia de grande beleza e simplicidade (o refrão diz precisamente que a própria canção é "muito simples"), mas também na letra, autodepreciativa na declaração de amor do narrador. É um dos temas pop com mais versões, e merecidamente.
Elton John é o protagonista do anúncio, agora que alcançou o topo como ícone da cultura britânica. Numa sala de estar escura, já com a árvore de Natal montada, Elton sentado ao piano de pijama toca umas notas que desencadeiam a memória nostálgica de "Your Song" na sua vida, misturada com a sua própria vida. O segundo plano, depois de uma panorâmica pela sala, mostra o músico em plano aproximado extremo, como tanto se usa nas telenovelas. Assim se introduz o protagonista, o drama, as emoções, e, na expressão facial, o voo nostálgico por vir. Mal começa a tocar "Your Song", a câmara desloca-se para a esquerda, para o primeiro de sucessivos flashbacks ou analepses em direcção ao passado primordial, a infância.
Nessas analepses, vemos e ouvimos Elton tocando "Your Song", em imagens reconstituídas ou de arquivo, da frente para trás, do passado próximo por aí adiante até à reconstituição da gravação em estúdio. A partir daí, o filme volta ainda atrás no passado, ainda ao som da canção, mas mostrando Elton tocando num bar, na escola e, finalmente, como criança pequena, recebendo da avó um presente: o piano, o mesmo em que Elton toca no presente na sua sala de estar, a quem a narrativa volta, fechando o seu círculo perfeito.
A sequência está perfeita; todas as passagens para os flashbacks anteriores se fazem por um movimento de câmara da direita para a esquerda, isto é, do presente mostrado para o seu passado. A qualidade e a popularidade perene adequam "Your Song" ao anúncio, mas a isso junta-se o final do refrão, que dá o toque positivo que a publicidade requer: "I hope you don't mind / That I put down in words / How wonderful life is / Now you're in the world." Na narrativa do vídeo, real ou ficcional, as últimas palavras podem referir-se tanto ao próprio Elton John, nela heroicizado, como aos indivíduos do seu público.
Falta dizer que as 51 lojas John Lewis & Partners vendem electrodomésticos, mobília, moda - e pianos. O vídeo, pela sua qualidade narrativa e extensão (própria para consumo na Internet, dado o preço incomportável nos canais de TV), pode fazer esquecer que é um anúncio, mas o plano final acrescenta, por escrito, o slogan "alguns presentes são mais do que apenas um presente" por cima de Elton de novo ao piano de costas e por cima do instrumento. Como som de fundo, uma multidão aplaude - a canção, Elton John, o anunciante e talvez o próprio anúncio.
E o Natal publicitário em Portugal? Já vi dois anúncios. Um é tipo "óvalhamedeus " - o regresso da Popota. De Elton John para a Popota? Que posso eu fazer? É neste país que vivo. Só sei dizer aos meus leitores o seguinte: pareceu-me que a Popota do Continente está mais magra. Antes ainda era roliça como uma hipopótama. Agora está reduzida ao hipopotismo apenas na cabeça.
O Intermarché faz um anúncio cedo demais na quadra reconhecendo que vem cedo de mais: à parte esse metadiscurso, faz impressão que o Natal, festa que celebra o nascimento de Jesus, a família, a paz, o amor, o sossego, as crianças, seja verbalmente transformado em pá de porco, ou lá o que é, a não sei quantos euros o quilo.