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[784.] Fim

Esta é a última edição desta coluna. O Manto Diáfano começou em 8 de Maio de 2003, quando o Jornal de Negócios iniciou a sua edição em papel e percorreu estes 15 anos também na versão online do Negócios. Foi na imprensa o único espaço semanal de análise e crítica de publicidade.

Durante algum tempo, este espaço provocou alguma irritação de publicitários e, quando tive antes semelhante coluna no jornal Público, também de pessoas do sector comercial desse jornal, o que levou à sua rápida interrupção. Parecia-lhes que a crítica era "contra" alguma coisa. Isso passou. Curiosamente, nunca os anunciantes — quem paga a publicidade — me manifestaram oposição; pelo contrário, recebi mensagens de apreço. O mesmo sucedeu com publicitários, de mente aberta, e que decerto viram neste espaço uma reflexão que lhes poderia ser útil.

 

A publicidade ocupa um lugar importante na cultura contemporânea, pelo que merece ser escrutinada. Tem uma capacidade invulgar de nos revelar a sociedade do nosso tempo, pelas recriações simbólicas de valores morais, de comportamentos sociais, de representações de grupos, comunidades ou instituições como a família. Procura desencadear os desejos perenes ou novos dos indivíduos, captando a sua atenção através de conteúdos atraentes e oníricos, amiúde recorrendo ao humor, amiúde sem mencionar características do produto. Os produtos e serviços, aliás, nunca interessaram a esta coluna, porque ela foi tão-somente de crítica destas cápsulas culturais que são os anúncios. Eles são, ora péssimos, ora maravilhosos, mas quase todos motivam uma abordagem pela mensagem que pretendem transmitir, sendo necessário ao crítico olhar atentamente para o que é dado a ver ao consumidor: o próprio anúncio, só ele, sugerindo significados através dos códigos técnicos — a composição, cores, luz, personagens, narrativa, slogans e textos.

 

Neste balanço final, sinto muita satisfação pelo trabalho realizado. Raramente, relendo artigos passados, sinto ter falhado a interpretação de algum anúncio ou ter sido injusto; foi mais frequente escapar-me algum aspecto importante, tal é a densidade simbólica que as mensagens constroem numa imagem fixa ou num vídeo de poucos segundos. O Manto Diáfano teve outros limites. Por falta de tempo, não me foi possível acompanhar mais algumas grandes campanhas, que mereceriam atenção por chegarem a milhões, preferindo amiúde escrever sobre alguns "pequenos" anúncios que motivavam uma análise mais interessante. Outra limitação foi a de não ter dado atenção à publicidade radiofónica, o que se deveu a uma opção, e, em mais profundidade e frequência, às múltiplas formas de publicidade na Internet. Tratou-se de uma dificuldade minha em escolher, na miríade de anúncios digitais, os que fossem mais significativos, mas também resultou da falta de qualidade da maioria. De facto, se não atentei na e-publicidade foi também porque os publicitários ainda não souberam fazer dela um tema atraente, limitando-se a mensagens primárias que ressaltam mais os efeitos digitais do que a própria mensagem.

 

Esta coluna não teria sido possível sem a generosidade do Negócios, na pessoa dos seus directores nestes 15 anos. Carta fora do baralho, O Manto Diáfano precisou do seu apoio, da sua condescendência e, julgo, também da sua coragem para manter uma coluna de crítica de publicidade num país ainda com alguma menoridade intelectual em que a crítica, uma actividade que deve ser da mais alta nobreza, é reduzida ao "dizer bem" ou "dizer mal". Agradeço aos directores e à equipa do Jornal de Negócios esta oportunidade, que fica para mim como uma marca de vida e de conseguimento profissional. E, por último, mas não em último, agradeço aos leitores, de que sempre considero a inteligência, o conhecimento e a perspicácia, e sem os quais esta coluna não teria feito sentido.

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