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24 de Outubro de 2013 às 00:01

O Estado da Nação do Estado

Passado já um bom par de semanas sobre esta ousada tomada de posição, não consta que tenha sido pedida ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva da inconstitucionalidade do desaparecimento do "direito adquirido" a receber "medalhas de mérito turístico". O caminho está encontrado, e faz-se caminhando.

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O Estado da Nação, por estes dias, não é famoso. Passou o dia 23 de Setembro, que um ministro das Finanças que não mentia, não enganava, nem ludibriava fadou como o dia do regresso da República que se endivida em nome da Nação aos mercados, e a eles a dita não regressou. O primeiro-ministro inclui nos seus discursos, com frontalidade talvez desajeitada, a perspectiva da continuação por mais uns tempos do financiamento assistido da República, a cargo da Troika ou, eventualmente, de uma dupla amputada do Fundo Monetário Internacional. O primeiro chefe da missão da Troika a Portugal, o dinamarquês Poul Thomsen, que na sua anterior missão na Grécia havia sido apodado "Mr. Blue Eyes", provavelmente por força do fascínio que homens altos e louros exercem sobre os povos meridionais desde tempos imemoriais, diagnosticou rápida – e muito sagazmente – a situação portuguesa como decorrente de uma séria "overdose" de Estado.

 

Thomsen foi chamado pelos seus chefes do FMI a tratar – de novo – da Grécia e deixou a chefia da missão sucessivamente a Abebe Selassie, um etíope graduado na London School of Economics, que os portugueses, menos carinhosos que os gregos, crismaram "Sei Lá Quem É" (sem acrescentar, por manifesta impropriedade, o adjectivo cromático com que foi brindado por um dirigente sindical) e a Subir Lall, um indiano doutorado nos Estados Unidos, ainda sem "petit nom" conhecido.

 

Nenhum dos sucessores de Thomsen, menos dados a comentários sagazes e a conferências de imprensa do que o seu antecessor, produziu até à data um diagnóstico tão apurado: o Estado da Nação é como é essencialmente por a Nação ser do Estado. A Nação, claro, é do Estado porque a Constituição assim determina, e o Tribunal Constitucional vela cuidadosamente para que a determinação constitucional encontre o seu caminho até às medidas de política económica com que o Governo tenta, com maior ou menor habilidade, melhorar o Estado da Nação. Uma solução menos soluçante seria rever a Constituição, algo que o primeiro-ministro parecia achar ao seu alcance no início do mandato, mas que parece hoje muito além do consenso possível, admitindo com boa vontade que há algum, com o PS de Seguro. Não sendo possível uma Constituição Económica menos prolixa, algo como a tradução para Português de "Market if possible, State when necessary", que faria as delícias de Thomsen e dos portugueses que nesta matéria pensam como ele, há esperança apesar de tudo.

 

Depois da desilusão de 23 de Setembro, em que os Portugueses foram confrontados com a realidade do falhanço da meta publicamente assumida para o programa de ajustamento, quatro dias depois, a 27 de Setembro, raiou a luz. A República Portuguesa não emitiu obrigações nos mercados financeiros internacionais, mas, mais prosaicamente, foi Dia Mundial do Turismo. O Secretário de Estado respectivo, nesse dia, decidiu não distribuir medalhas de mérito turístico, "distinções" habitualmente atribuídas pelos seus antecessores em sessões de palmadinhas nas costas bem ao gosto nacional. Fê-lo porque "(…) não é função do Estado andar a distribuir prémios de mérito turístico: quem atribui mérito turístico são os turistas, não é o Estado". Market if possible, State when necessary, e aqui o Mercado é obviamente possível, logo o Estado abstém-se.

 

Passado já um bom par de semanas sobre esta ousada tomada de posição, não consta que tenha sido pedida ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva da inconstitucionalidade do desaparecimento do "direito adquirido" a receber "medalhas de mérito turístico". O caminho está encontrado, e faz-se caminhando.

* Professor Associado, ISCTE Business School



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