Opinião
(Fin)imobilidade
Esta tribo da moda deleita-se a malhar nos mercados financeiros, que considera a fonte de todos os males e covil de perigosos malfeitores. Para estes opinadores, os mercados devem definhar.
Merton Miller, economista americano falecido no final do século passado, recebeu o Nobel da Economia em 1990, ano em que a Real Academia Sueca premiou três grandes nomes da economia financeira: Markowitz, que evidenciou o papel da diversificação na gestão do risco, Sharpe, que construiu uma teoria de valorização de activos com base na contribuição de Markowitz, e Miller, que revolucionou a teoria das finanças empresariais com o teorema que leva o seu nome e o de Modigliani, este galardoado com o Nobel em 1985. Num dos seus últimos escritos, intitulado "Financial Markets and Economic Growth" e publicado no 11.º volume do reputado Journal of Applied Corporate Finance, defendia o que considerava uma evidência: "That financial markets contribute to economic growth is a proposition almost too obvious for serious discussion." O que era óbvio para Miller no final do século XX, e permanece óbvio para a tribo, porventura em extinção, de economistas que se deleitaram a aprender com os grandes da sua ciência, é apresentado como um dislate por uma tribo em expansão, integrando alguns economistas atraídos pelo lado negro e muitos, e muito prolixos, mestres de outros ofícios que, vá-se lá saber porquê, entendem ter opiniões sobre, e dar lições de, Economia.
Esta tribo da moda deleita-se a malhar nos mercados financeiros, que considera a fonte de todos os males e covil de perigosos malfeitores. Para estes opinadores, os mercados devem definhar, porventura para que os malfeitores que neles se abrigam sejam mais facilmente perseguidos e, eventualmente, varridos da face do planeta. O preconizado definhamento dos mercados deverá trazê-los até uma certa dimensão, presumivelmente pequena, para lá da qual seriam nocivos para o crescimento económico. Os defensores desta doutrina, sem surpresa, recorrem a termos importados das ciências médicas e naturais para transmitirem a sua mensagem. Veja-se esta citação de Stephen Cecchetti, professor na Universidade de Brandeis e "head of research" do Bank of International Settlements entre 2008 e 2013: "Beyond a certain point, financial development is bad for an economy, instead of supplying the oxygen that the real economy needs for healthy growth, it sucks the air out of the system and starts to slowly suffocate it." Cechetti pode não ter ganho o Nobel, mas tem indiscutível talento para discutir o crescimento económico remetendo para a identificação de um "certo" ponto em que começa a "faltar o ar" e a "saúde" à economia, "sufocada" por um vilão. Tudo conceitos estritamente económicos, e muito rigorosos. "Call me old-fashioned", prefiro o velho "Chicago Boy" Miller. Antes teoremas do que faltas de ar.
Os detractores da relevância dos mercados para o crescimento económico não se limitam, sejamos justos, a discutir o tema na base das faltas de ar. Pelo contrário, e muito construtivamente, gostam de dividir o sistema financeiro em duas partes, uma que designam imóvel e outra que designam móvel. Temos assim a finança imóvel e a finança móvel. Aquela é a finança que está profundamente enraizada na economia real doméstica, da qual depende e à qual presta serviços. Esta é a mais globalizada, que pode operar a partir de várias jurisdições, pois presta serviços de natureza tendencialmente mais sofisticada e, assim, não carece de proximidade significativa com a economia real. A banca hipotecária é um bom exemplo de finança imóvel (ninguém avalia bem os colaterais à distância), e a banca de investimento agrupa-se adequadamente na finança móvel (a angariação de capitais não ganha nada em ser feita na esquina onde os capitais irão ser aplicados). A distinção faz sentido, e é útil, o uso que dela é feito nem tanto. A ideia da tribo da moda é que a finança imóvel, por definição, não se mexe, logo pode e deve ser sujeita a tratos de polé. A finança móvel, por definição, mexe-se, logo pode e deve ser sujeita a tratos de polé, porque quando se mexer não faz falta nenhuma. Com esta magnífica técnica de optimização, a tribo da moda encontra o "certo" ponto a partir do qual o sistema financeiro "sufoca": é o ponto que se atinge quando tudo o que financeiramente mexe tiver desaparecido da economia doméstica. Mais ou menos o efeito provocado por D. Isabel de Aragão, rainha de Portugal, quando impôs a D. Manuel a expulsão dos judeus.
Professor Associado, IBS