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08 de Novembro de 2015 às 19:40

As generosas quotas de género

As quotas de género, tal como o bacalhau, vêm da Noruega, uma nação ainda mais antiga do que a portuguesa. Nesse remoto e gélido reino, em 2003 apenas 9% dos administradores de empresas eram mulheres.

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Incomodado com esta sub-representação, o Governo Norueguês aprovou uma lei apontando para uma percentagem de 40%. Em 2006, a dita percentagem tornou-se obrigatória, com um prazo de dois anos para implementação. A razão invocada para a introdução desta legislação foi a vontade de caminhar para uma "sociedade mais justa". Os accionistas noruegueses cumpriram forçados, pois manda quem pode e obedece quem deve (a sanção era a liquidação forçada das empresas incumpridoras). A quota foi atingida, sem que houvesse alteração nenhuma no número de mulheres presidentes (para a presidência não foi imposta quota). A Noruega talvez se tenha tornado mais justa, mas terá a quota de género sido generosa para os accionistas? Como diria um conhecido político, "é fazer as contas". Estão publicadas (no prestigiado Quarterly Journal of Economics), desde 2012, num interessante artigo dos professores americanos Ahern (da USC) e Dittmar (de Michigan). Feitas as contas, a introdução da quota de género fez cair o valor das empresas forçadas a implementá-la. A quota de género norueguesa não foi generosa para os accionistas, ou seja, a sociedade norueguesa terá, talvez, ficado mais justa, mas ficou certamente mais pobre. Como foram os accionistas das empresas atingidas a suportar a perda, deve ter havido quem achasse justo que estes ficassem mais pobres.

 

Não sendo a Noruega membro da União Europeia, e sendo o bacalhau bem mais consumido em Portugal do que noutros Estados-membros da União Europeia, a esperança de que o interesse pelas quotas de género ficasse, em Bruxelas, ao nível da popularidade do bacalhau, era alguma. Infelizmente, em 2012 a Comissão Europeia adoptou uma proposta de directiva fixando como objectivo mínimo uma quota de 40% de administradores não-executivos do género feminino para as sociedades cotadas, a cumprir até 2020. Para dar o exemplo, a data de implementação para as empresas públicas foi fixada em 2018. A proposta de directiva foi emitida em Novembro, mas, na senda da preferência portuguesa pelo bacalhau, oito meses antes o Conselho de Ministros português entendeu obrigar as empresas públicas portuguesas e as (poucas) empresas cotadas em Lisboa a adoptar "planos com o objectivo de promover a participação equilibrada e representativa da mulher em lugares de decisão".

 

Os generosos defensores das quotas de género fundamentam a sua posição na alegação de que "a sub-representação de mulheres nos conselhos de administração se traduz num desperdício de recursos humanos altamente qualificados, que de outra forma poderiam contribuir para a competitividade das empresas" (reproduzido, com a devida vénia, de um Relatório de 2014 da ACEGIS). Esta generosa linha de argumentação, além de ignorar olimpicamente a produção científica sobre o tema, é omissa quanto à razão pela qual as empresas, normalmente preocupadas em maximizar o seu valor, desperdiçariam voluntariamente tais recursos. Ainda assim, a quota de género encontrou o seu caminho até ao programa eleitoral do PS, que aponta para a exigência de um equilíbrio de género de 33% nos conselhos das empresas cotadas em bolsa. Temos assim uma medida de origem norueguesa, cuja implementação produziu uma perda de valor das empresas norueguesas, suscitando consenso na Europa, em Portugal, e, até, entre o Governo da coligação e o PS.

 

As empresas portuguesas podem assim contar, a prazo, com mais uma medida adversa para o seu valor. O que é curioso é que as mulheres, e a respectiva capacidade para exercer cargos de administração, nada têm a ver com este filme. Um interessante artigo de dois professores alemães, Schmidt, da Universidade de Hong-Kong, e Urban, da Universidade Técnica de Munique, estuda pela primeira vez o impacto no valor das empresas da eleição voluntária de mulheres para as administrações, a partir de uma base de dados de 53 países (Portugal incluído) e da análise da reacção à morte de administradoras. Apesar do algo mórbido "research design", os resultados apontam para um impacto positivo no valor das empresas da eleição voluntária de mulheres administradoras. "Cherchez la femme", eis o segredo.

 

Professor Associado, IBS

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