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28 de Setembro de 2015 às 00:01

O peso da transparência

O mercado de capitais tem muitas rotinas, e uma é a "earning season". Periodicamente, as empresas cotadas fecham contas, e apresentam-nas, umas com mais pompa, outra com menos, ao mercado.

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Em épocas de campanha eleitoral como a que atravessamos, é frequente os candidatos avessos aos mercados referirem-se a estes como "impessoais". Soa a coisa má, logo serve o propósito de achincalhar, e sempre é mais suave do que lhes chamar "pérfidos" ou "malvados", o que poderia parecer demasiado radical e ser contraproducente para a caça ao voto. Na realidade, é apenas um facto. Nunca ninguém conheceu o sr. Mercado, excepção feita ao argentino Gabriel Mercado, um defesa coriáceo que foi em tempos honrado com referências a um possível interesse do Glorioso nos seus serviços. As apresentações de resultados das empresas cotadas não são pois no El Monumental enquanto Mercado treina no River Plate, mas sim a um conjunto de pessoas bem treinadas usualmente designadas analistas financeiros.  Estas apresentações podem parecer uma frivolidade, mas têm um papel essencial nas economias capitalistas. Nestas, as poupanças - escassas, nunca é demais frisar - são  disputadas, em concorrência impessoal, por conjuntos de agentes organizados sob a forma de sociedades. Estas apresentam ao "mercado" (o impessoal, não o Gabriel) os seus planos, e oferecem aos aforradores expectativas de rendimentos futuros em troco das suas poupanças no presente. Os donos das poupanças percebem menos de negócios e de investimento do que os hinchas do River Plate de futebol, pelo que tendem, se forem avisados, a suprir essa deficiência usufruindo do saber dos analistas financeiros ao serviço dos seus gestores de carteira ou dos seus corretores. Obtidos os capitais, os gestores das sociedades aplicam-nos nos investimentos de sua eleição, e esperam o respectivo retorno. Os aforradores, agora accionistas, esperam ser compensados, e podem sê-los por duas vias. A mais imediata é a devolução de parte do dinheiro investido, uma simpatia designada no mercado como "dividendos", que ocorre não mais de uma vez no ano e exige uma deliberação nesse sentido da sociedade.

 

A outra é através da venda no mercado (sem saber a quem, não nos esqueçamos que este mercado não é o Mercado número 25 do River Plate) a preço superior ao do investimento, uma outra simpatia designada "mais-valia" e que pode ocorrer, ao contrário do dividendo, a todo o momento, e não exige qualquer deliberação da sociedade. Não exigindo deliberação, exige, no entanto, que o preço das acções suba no mercado. Se tudo correr bem, o preço subirá se as expectativas que foram criadas no momento do investimento forem, pelo menos, alcançadas, ou, ainda melhor, ultrapassadas. Ora os aforradores não percebem da poda, pelo que darão as suas expectativas por alcançadas ou superadas se tiverem indicação fidedigna de que assim aconteceu, indicação assim que virá, não do Gabriel Mercado, mas dos analistas financeiros ao serviço de gestores de carteira e corretores. Estes, como não são bruxos (pelo menos os melhores), indicam sim ou sopas após cuidado escrutínio da actividade das empresas, por via da aplicação de complexo instrumental teórico adquirido durante a frequência de escolas de gestão e da absorção rápida e sapiente da informação disponibilizada pelas sociedades analisadas, nomeadamente durante as "earnings seasons". Ora a transposição para a Lei Portuguesa da Directiva da Transparência vai deixar ao critério das sociedades cotadas (excepção feita aos bancos) a apresentação de contas trimestrais, mantendo apenas a obrigatoriedade de apresentação de contas em cada semestre.

 

As "earnings seasons" dos trimestres ímpares poderão, em consequência, encolher, e no limite passar a restringir-se às contas dos bancos, sociedades com o poder muito especial de criação monetária a que nenhuma directiva dá, aparentemente, tréguas. Um bom movimento, por estranho que possa parecer que uma directiva dita "da transparência" permita espaçar mais a prestação de informação aos mercados, ou seja, aos analistas financeiros que formarão as opiniões dos investidores, e, por essa via, os preços. De facto, a transparência tem um peso. Informar é dispendioso, e portanto consome recursos empresariais que saem do bolso dos accionistas. Mais importante do que isso, o escrutínio muito frequente, como é o trimestral, tende a condicionar as decisões dos gestores para a apresentação quase permanente de boas notícias, e, como bem se sabe, uma trajectória óptima no longo prazo não é a justaposição de várias trajectórias óptimas de curto prazo. Com a nova regra, quem quiser aparecer nas "earnings seasons" dos trimestres ímpares, aparece, quem não quiser, guarda-se para os trimestres pares. Ficamos mais perto do peso certo da transparência.

 

Professor Associado, IBS

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