Opinião
A azarada moral PERtuguesa
Em qualquer economia, os recursos são escassos e passíveis de utilizações alternativas; aliás, se assim não fosse a teoria económica seria inútil.
O escasso capital é oferecido pelos seus detentores nos mercados de capitais, onde é procurado por empresas, organizações cujos administradores configuram projectos de investimento que serão concretizados se o capital necessário for angariado. A angariação de capital é, pois, um processo de criação de expectativas nos capitalistas - se a história for boa, ou o contador da história credível, estes tendem a acreditar e a entregar o seu capital. Nas mãos mais ou menos hábeis do dito contador, o capital será investido em "capital assets", que gerarão rendimento ao longo dos anos, rendimento esse que será distribuído aos capitalistas regularmente ou formará a base da fixação de um preço a que outras empresas, financiadas por outros capitalistas, comprarão o activo. Se os capitalistas interpelados comprarem acções e a história se revelar bem apenas bem contada, não haverá rendimento e, a prazo, a empresa será liquidada ou os capitalistas entregarão a sua condução a outro contador de histórias, porventura mais hábil, para inverter a situação. Já se os capitalistas forem tomadores de títulos de rendimento fixo, a empresa, se não gerar rendimento, acumula dívidas vencidas, permitindo, na generalidade dos regimes legais, pedir a insolvência da sociedade e obter a liquidação das suas dívidas por via da liquidação do património. Nesse processo, os "capital assets" da empresa incumpridora mudam de mãos, continuando presumivelmente a ser utilizados produtivamente, porventura melhor. Os recursos escassos são assim reafectados, ou seja, a sua propriedade muda, e em consequência a sua gestão muda também.
Esta forma de agir perante situações de incumprimento foi radicalmente alterada em Portugal em 2012 com a introdução da figura do "Processo Especial de Revitalização", PER para os amigos. Antes a Lei Portuguesa privilegiava, ainda que lentamente, os direitos dos credores. Com a introdução dos PER mudou de paradigma, e passou a preocupar-se com a perpetuação da empresa, curiosamente fazendo por a manter em funcionamento nas mãos dos mesmos proprietários, porventura como prémio pelo bom trabalho desenvolvido. Ao optar por este peculiar novo paradigma, escolheram introduzir no processo de partilha de risco o que os economistas designam em inglês "moral hazard", uma situação em que o comportamento de uma das partes da transacção relativamente a outra se altera depois da consumação da transacção. Em PERtugal, passou a ser possível aos administradores de uma empresa incumprir os seus compromissos, negociar com alguns credores sob o manto diáfano da Justiça e impor o resultado da negociação aos outros, tudo sem perder o controle dos "capital assets" que administram. Se fosse na bola, chamava-se a isto benefício ao infractor.
Professor Associado, IBS