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Produção de biometano pode crescer 178% até 2030 e poupar 1,4 mil milhões aos consumidores

Um estudo da Roland Berger para a Floene mostra que num cenário de "descarbonização equilibrada", com energia elétrica e gases renováveis, a "poupança" pode chegar a 2,5 mil milhões de euros face a uma eletrificação extensiva da economia.

Sérgio Lemos
17 de Julho de 2024 às 15:25
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Ao dia de hoje, Portugal está muito longe de ser um "bom aluno" a nível europeu na produção de gases renováveis, como o hidrogénio verde e o biometano. No caso do primeiro, o volume atual reduz-se praticamente a projetos-piloto (como o da Floene, no Seixal, que já está a injetar 20% de hidrogénio numa rede fechada), enquanto no biometano Portugal conta com apenas três centrais. Um número que está a anos-luz das 675 unidades já a operar em França, 254 na Alemanha, 133 em Itália, 119 no Reino Unido, 79 nos Países Baixos, 74 na Suécia, 58 na Dinamarca, 42 na Suíça, entre outros países.  

E se na última década a produção de biometano (que tem uma composição química muito idêntica à do gás natural) na Europa aumentou seis vezes (de 7 para 43 TWh), a previsão para os próximos 10 anos é que volte a disparar ainda mais: cerca de nove vezes (de 43 para 370 TWh). As estimativas mostram que em 2050 o biogás e o biometano podem substituir dois terços do consumo de gás na UE.

Por cá, o Plano de Ação para o Biometano, apresentado em março, traçou como meta substiuir 9% do gás natural por este gás renovável até 2030.

Na opinião de Gabriel Sousa, CEO da Floene (o maior operador de redes de distribuição de gás no país, com nove das 11 concessões regionais), esta é uma "meta ambiciosa, meritória e superior à de Espanha", sendo essencial, no entanto, "termos os mecanismos certos no timing certo para que se concretize. 2030 é já amanhã", frisou o responsável esta quarta-feira num encontro com jornalistas para apresentar o novo estudo da consultora Roland Berger  sobre "Gases Renováveis e Redes de Futuro – Prioridades político-regulamentares com vista à descarbonização da rede de gás" até 2050.  

Questionado sobre se há um excesso de otimismo do Governo português face ao biometano, Gabriel Sousa reconhece que se tratam de metas "fortemente ambiciosas". "Mas não é impossível de lá chegar. Quando olhamos para o resto da Europa, vemos que está na hora de agir. Basta ver o exemplo de França, onde a cada semana são ligadas à rede nacional de gás duas a três centrais de biometano. Temos de copiar o que resultou para conseguirmos, em dois ou três anos, começar a ligar um número significativo de projetos em Portugal", defendeu.

O estudo prova que o país tem potencial no biometano e que é possível aumentar 178% a produção deste gás renovável – de 0,9 para 2,5 TWh - entre 2025 e 2030. Até 2050, este número poderá chegar quase a 14 TWh (+1.430%), produzido a partir de matérias-primas orgânicas como a biomassa, metano sintético (com captura de CO2), agropecuárua (estrumes), aterros (lixo), estações de tratamento de águas residuais (lamas) e agroindústria (caroços de azeitona, entre outros resíduos agrícolas).

Na linha da frente para se tornarem futuros produtores de biometano (projetos "quick win" ou "sprinters") estão cerca de 70 unidades - entre aterros e estações de tratamento de águas residuais - que neste momento se dedicam ao biogás em Portugal, sendo este queimado para produzir eletricidade que é depois injetada na rede, com tarifas fortemente subsidiadas (120 a 130 euros por MWh).

No entanto, esta subsidiação vai terminar entre 2026 e 2027, com a Floene a defender que depois disso devem ser substituídas por novas "feed-in tariffs" para o biometano, na ordem dos 62 euros por MWh. O estudo calcula que em 2050 o custo de produção do biometano ronde os 40 a 45 euros por MWh.

O biometano pode ser também obtido a partir do biogás, nas centrais já existentes em Portugal, através de um processo de purificação e com investimentos de adaptação das unidades que rondam 1,5 milhões de euros, bem menos do que o necessário para construir uma centrar de biometano de raiz. 

Olhando para o mapa de Portugal, e tendo em conta a atual oferta de gás natural, a localização potencial das matérias primas e o número de projetos de biometano e hidrogénio verde com operação prevista até 2030, o estudo da Roland Berger estima que a curto prazo (em 2030) é possível ter cerca de 16% de gases renováveis na rede: 1,5 TWh de injeção descentralizada, 66 produtores e 150 ligações de biometano; 1,1 TWh, 37 produtores e 166 ligações de hidrogénio verde.

Gabriel Sousa dá como exemplo um novo projeto de hidrogénio verde que irá ser ligado à rede no final deste ano, na região de Rio Maior, para abastecer 14.000 clientes. No biometano também há exemplos: uma unidade de biogás no Algarve com capacidade para abastecer 50% do consumo de gás da região; e uma outra no Alentejo, capaz de suprir todo o consumo da cidade de Beja.  

"Portugal tem um grave problema na gestão dos seus resíduos. Para quem os produz, o biometano pode ser uma fonte de receita adicional, sendo que as suas receitas podem mesmo duplicar", disse o CEO da Floene, dando como exemplo os agricultores e os criadores de gado. Para os municípios, responsáveis pela recolha e gestão de resíduos, as vantagens também são grandes, acrescenta.

Gabriel Sousa adiantou ainda que "nos últimos anos a Floene recebeu mais de 170 pedidos de informação para injeção de biometano ou hidrogénio verde na sua rede". "Há muito interesse por parte dos produtores", garante.

Manter o gás ou eletrificar tudo? Biometano pode gerar poupança de 2,5 mil milhões 


Além dos benefícios energéticos e ambientais, o o CEO da Floene sublinha as vantagens económicas da aposta portuguesa no biometano, evidenciadas pelo estudo da Roland Berger. De acordo com a análise, pedida pela Floene, "o caminho mais rápido e mais barato" para a descarbonização do sistema energético em Portugal (famílias, empresas e indústria) passa por introduzir de gases renováveis na rede já existente, com destaque para o biometano como complemento da eletricidade.

Neste cenário de "descarbonização equilibrada" – como lhe chama o estudo -, com energia elétrica e gases renováveis, a "poupança" pode chegar a 2,5 mil milhões de euros (mais de 60%) face a uma eletrificação extensiva. Isto porque o biometano não exige investimentos extra na rede nacional (uma das mais recentes e modernas da Europa) para chegar até às famílias e à indústria, podendo estas manter os seus atuais esquentadores em casa e os grandes fornos a gás natural nas fábricas.

Desta forma, são geradas poupanças de 1,4 mil milhões ao nível dos consumidores (que não precisam de gastar dinheiro para se adaptarem ao biometano) e de 1,1 mil milhões ao nível dos investimentos no sistema (uma "redução significativa" nos gastos), refere o estudo, que prevê que o biometano possa representar 8 a 9% do consumo de gás natural em 2030 e cerca de 60% em 2050.

Em termos de custos de sistema para adaptação das redes existentes em Portugal, esta "descarbonização equilibrada" representa um investimento entre 1.120 a 1.740 milhões de euros, que compara com 1.920 a 3.200 milhões (mais custos de adaptação nas habitações e indústrias) no caso da eletrificação extensiva, e com 1.430 a 2.020 milhões (mais custos nos clientes) no caso do recurso extensivo ao hidrogénio.

"Os gases renováveis são a única via para o cumprimento das metas de descarbonização, de forma mais sustentável para as famílias e empresas portuguesas, com menor investimento e com maior contributo para o desenvolvimento regional e para a coesão territorial", sublinhou Gabriel Sousa, sublinhando a necessidade de avançar com mecanismos e incentivos para que as unidades de biogás (aterros e ETAR) se convertam ao biometano.

"O Governo deve acabar com as tarifas subsidiadas do biogás na produção de eletricidade, de modo a dar um sinal claro no sentido do biometano", defende o CEO da Floene. No entanto, ainda não teve da tutela qualquer sinal de que isto possa, de facto, vir a acontecer.

"São ncessários sinais claros de apoio ao investimento também para projetos de raiz, a partir do zero, e não apenas para a reconversão do biogás", disse, pedindo "novos avisos do PRR, Fundo Ambiental e PT2030". Outra proposta passa por um modelo de partilha de investimentos entre o produtor de gás e o operador da rede de distribuição, tal como acontece em França, com 60% do custo assegurado pelo sistema e os restantes 40% pelo produtor.

"O potencial nacional de biometano (2,7 TWh em 2030) poderá não ser aproveitado na sua totalidade caso não existam incentivos à produção de biogás", avisa o estudo, avançando que algumas destas centrais com potencial de produção de biometano de cerca de 1,36 TWh (2,8% do consumo nacional de gás natural) estão a avaliar novos modelos de negócio (compostagem, entre outros), em vez do biometano, face ao cenário de passarem a operar sem tarifas subsidiadas. 

No novo Executivo, o CEO da Floene diz que identifica um 'mindset' que vai cada mais ao encontro da ideia de que os gases renováveis fazem parte da solução e conta que na versão final do Plano de Energia e Clima (PNEC 2030) o biometano possa ter ainda maior representatividade.   

Em maio, a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, anunciou a abertura de um leilão para a compra centralizada de gases renováveis, que abrange a produção de hidrogénio verde e de biometano.
O procedimento concursal, com dotação anual até 14 milhões de euros anuais (140 milhões ao longo de 10 anos), "destina-se a estimular projetos nas áreas de hidrogénio verde e biometano, tecnologias com potencial para reduzirsignificativamente as emissões de gases de efeito de estufa e promover a economia circular".

As quantidades máximas para contratualização, serão de: 150 GWh/ano no biometano e 120 GWh/ano no hidrogénio, sendo o preço a pagar pela Transgás pela compra dos gases renováveis será de 62 euros/MWh, no caso do biometano, e de 127 euros/MWh pelo hidrogénio.
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