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Dilma afirma que "errou" ao demorar a perceber a gravidade da crise

A presidente do Brasil reconheceu que uma política de austeridade deveria ter sido implementada mais cedo, até antes das eleições, e defendeu o actual rumo porque "não queremos ser a Grécia". "Lamenta" o envolvimento do PT no esquema de corrupção instalado na Petrobras e recusa especular sobre a sua eventual destituição.

Bloomberg
Eva Gaspar egaspar@negocios.pt 25 de Agosto de 2015 às 13:57
Quebrando um longo silêncio, a presidente do Brasil Dilma Rousseff deu uma entrevista conjunta a três dos maiores jornais do país na qual faz "mea culpa" sobre a gestão económica, reconhecendo que o Governo demorou em reconhecer a gravidade da crise e em actuar em conformidade.

"Errei em ter demorado tanto para perceber que a situação era mais grave do que imaginávamos. Talvez, tivéssemos que ter começado a fazer uma inflexão antes. Não dava para saber ainda em Agosto, não tinha indício de uma coisa dessa envergadura. Talvez Setembro [mês das eleições presidenciais do ano passado], Outubro, Novembro", afirmou.

Explicou que optou por uma política orientada para preservar o emprego e o rendimento, admitindo que essa política poderia ter sido reduzida progressivamente ao longo do tempo, adoptando o que chamou de "escadinha". "Agora, eu nunca imaginaria, ninguém imaginaria que o preço do petróleo cairia de 105 dólares [por barril] em Abril, para 102 dólares em Agosto, para 43 dólares hoje. A crise começa em Agosto, mas só vai ficar grave, grave mesmo, mesmo entre Novembro e Dezembro [de 2014]. É quando todos os estados da Federação percebem que a arrecadação [fiscal] caiu".

Neste momento, diz, não há alternativa a uma política de contenção porque "o padrão de crescimento que teve até aqui mudou, não vai durar" e isso é verdade também para a China e para os Estados Unidos. "Vamos ter de nos adaptar nessa travessia. Nós não queremos [ser] a Grécia, queremos?"

Ainda sobre a economia internacional, agora ensombrada pelas turbulências com epicentro em Xangai, Dilma disse que "o futuro é imprevisível". As dificuldades, afirmou, não ficarão restritas aos exportadores de matérias-primas para a China, pois também afectam os países que exportam máquinas e equipamentos para aquele país, como é o caso dos Estados Unidos e da Alemanha.

 

Segundo Dilma, o Governo tem sido prudente e tem tomado as medidas necessárias para o país enfrentar essa situação. E isso significa aprofundar o equilíbrio das contas públicas. Esse esforço, acrescentou, vai ter que ser feito sistematicamente, considerando a situação do mercado internacional.

 
Sobre o escândalo na Petrobras e sobre a Operação Lava-Jato, Dilma garantiu que ninguém pode interromper o processo em curso no Judiciário e nos órgãos de investigação (Polícia Federal e Ministério Público). "Ninguém pode chegar à Presidência e olhar para processos de corrupção como uma coisa pessoal. Só pode olhar e ver que o país deu um passo e foi para frente. Agora, sou a favor, em qualquer circunstância, do direito de defesa. É isso que torna a democracia forte".

Questionada sobre se tinha ficado "completamente surpreendida" com o envolvimento de altas figuras e membros do seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), no esquema de corrupção na Petrobras, empresa de que foi a máxima responsável antes de chegar à presidência do país em 2010, Dilma respondeu: "Fui. E lamento, profundamente".

Dilma defendeu em particular o ex-presidente Lula. "Acho que tentam diminuí-lo, que tentam envolvê-lo. Não acredito que em algum momento no futuro dê certo. Eu acho que é uma coisa triste de ver isso sendo feito. Passam de todos os limites".

O Brasil está a ser sacudido por um enorme escândalo de corrupção, que está a ser deslindado no âmbito da investigação Lava Jato, com epicentro na petrolífera Petrobras e ramificações nas principais construtoras do país e nos três partidos da base do governo: PT, PP e PMDB. Há duas semanas, milhares de brasileiros voltaram a manifestar-se contra a corrupção e pedindo a saída de Dilma Rousseff.

Questionada sobre a sugestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para que renuncie ao mandato, a presidente respondeu: "Sugerir é fácil! Não vou discutir". E mais não disse sobre um eventual processo de destituição ("impeachment").

Dilma negou ainda a possibilidade de afastamento do ministro da Fazenda (Finanças), Joaquim Levy, e confirmou a sua intenção de acabar com dez ministérios (o seu governo tem actualmente 39 ministros) e de cortar mil cargos de nomeação política. Não disse quais nem precisou o calendário, e argumentou que objectivo principal é racionalizar a máquina, mas também poupar.

Brasil da caminho da maior recessão em 25 anos

A conjuntura económica brasileira sofreu uma forte degradação, sobretudo ao longo do último ano. Nos cálculos mais recentes dos economistas regularmente consultados pelo banco central do país, o PIB brasileiro deve encolher 2,01% neste ano e 0,15% no próximo. Se estas projecções se confirmarem, o Brasil terá registado a pior recessão em 25 anos, apenas comparável à vivida em 1990 aquando do Plano Collor, quando a economia caiu 4,3% enquanto a inflação se escrevia com quatro dígitos. O crescimento dos preços duplica actualmente a meta do banco central, mas está na casa dos 10%.

A taxa de desemprego voltou também a agravar-se em Julho, ao passar de 6,9% para 7,5%. Este é o valor mais elevado desde Março de 2010 e é também a pior marca para um mês de Julho desde 2009. Há um ano, o desemprego estava nesse mesmo mês em 4,9%. No conjunto do segundo trimestre, terminado em Junho, a taxa de desemprego já terá, porém, ultrapassado a fasquia de 8%, elevando-se a 8,3%, segundo dados oficiais hoje divulgados.

Duas das maiores agências de notação financeira baixaram, entretanto, o "rating" do Brasil deixando os títulos de dívida emitidos pelo Governo à beira de classificação de investimento especulativo, ou lixo. Por detrás das decisões da Moody's e da Standard & Poor’s está o desempenho económico mais fraco do que o esperado, a subida da despesa pública e a ausência de consenso político sobre as reformas, o que impedirá o governo de alcançar um excedente primário suficientemente elevado para conter e inverter a crescente tendência de aumento da dívida pública.

 

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