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Virgolino Faneca peregrina pelo terço de Joana Vasconcelos. Salvo seja

Depois de ver o terço gigante concebido para Fátima é certo e sabido que o Papa Francisco irá convidar Joana Vasconcelos para recrear na Capela Sistina um Juízo Final com faiança das Caldas.

05 de Maio de 2017 às 17:00
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Caro Hugo

Espero que esta te encontre bem aí na Malásia e tenhas levado a bom porto a tarefa de gravar nos pináculos de calcário do monte Api a frase "Malaca é nossa", um sinal da lusa imortalidade enquanto nação descobridora. Vem esta minha carta a propósito de uma nossa descobridora da actualidade que, à semelhança dos descobridores de antanho, é alvo de chacota e descrédito. Refiro-me concretamente à artista Joana Vasconcelos, que tem desbravado os caminhos da arte de forma indómita e nem assim consegue o merecido reconhecimento.

Agora, anda para aí muita gente arreliada com o terço gigante que a artista fez para o santuário de Fátima, obra destinada a celebrar os 100 anos das aparições e a visita do Papa Francisco a este local sagrado. Confesso que descompreendo o azedume e as insinuações de que a menina Joana se inspirou numa obra semelhante que viu a luz do Senhor em 2016 na festa da Penha, em Vila Velha, que apropriadamente se situa no estado do Espírito Santo, Brasil. Até porque a inspiração, sendo divina, está em todo o lado não estando em lugar nenhum.

Depois há outros cínicos que usam a natureza dúbia das palavras para colocar em causa a capacidade criativa da artista, afirmando que Joana faz obras grandes mas não grandes obras. Tais como: os sapatos gigantes feitos de tampas de panelas, o galo de Barcelos em formato XXXXXXXL, o lustre concebido com tampões ou a colcha de crochê pendurada na ponte de D. Luís, no Porto.

Julgo que há aqui uma nítida má vontade. Por exemplo, não vejo ninguém a indignar-se por certas lojas venderem ar enlatado abençoado de Fátima, ou água sagrada da dita, o que cheira a intrujice que tresanda. Népias. A malta acha graça e concebe umas chalaças de como somos inventivos na arte de ludibriar os turistas, perante a complacência cristã da ASAE. Já quando se trata da Joana, atiram logo pedras, como se ela fosse uma empedernida herege.

Estes censores não alcançam a magnificência estética da obra de Joana e comportam-se em consonância com esta tacanhez intelectual, qualificando-a como uma artista parola, fútil e irrelevante, relevando a trabalheira que dá juntar centenas de telefones para fazer uma pistola ou bóias para fazer um colar à volta da Torre de Belém. Fossem eles nestas demandas e logo veriam o que custa ser um artista barra instalador de sucesso.

Na minha modesta opinião, o terço engendrado por Joana Vasconcelos, que à noite se irá iluminar, é uma óptima ideia, na medida em que poderá permitir à Virgem Maria voltar a encontrar o caminho do santuário. Após andar 100 anos perdida, a senhora deve estar mesmo a precisar de uma ajuda de terceiros e de um merecido descanso, desiderato que o referido terço permitirá alcançar. Neste sentido, o terço da Joana assume a figura de um nónio pós-moderno, o que faz com que seja possível comparar o génio da artista como o do insigne matemático Pedro Nunes. Este ajudou os portugueses a navegar por mares bisonhos e a descobrir novos mundos, o terço, por sua vez, irá assistir a Virgem Maria a voltar ao velho mundo, embora seja prudente avisá-la de que já cá não moram o doutor Salazar e o cardeal Cerejeira e que os três pastorinhos, à data de hoje, respondem pelos nomes de Tatiana, Jéssica e Micael.

Tenho a certeza quase absoluta (porque absolutas mesmo só as certezas de Deus Nosso Senhor e quiçá do Presidente Marcelo) de que o Papa Francisco vai ficar extasiado com o terço concebido pela Joana Vasconcelos e agirá em conformidade, convidando-a para recrear na Capela Sistina um Juízo Final com faiança das Caldas porque, como se sabe, a arte é sempre provocatória.

Um até já deste que te estima,

Virgolino Faneca


Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.



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