Caro Epifânio

Escrevo-te porque tive uma epifania (trocadilho dolente) relativamente a assuntos diversos relacionados com casos que se passam no país de claro relevo para a sociedade em geral, os quais carecem da tua mundividência analítica, de forma a serem percepcionados pela opinião pública em toda a sua clareza e importância e usados, depois de descodificados, em prol do bem comum.

Podes ser levado a pensar que este introdutório é um exercício de procrastinação destinado a encher o vazio com considerandos ocos, mas garanto-te que se adoptares esta premissa se tratará de um erro de interpretação da tua parte, porque na realidade o país está mesmo necessitado das tuas ponderosas observações para repristinar as mais-valias que foi perdendo ao longo desta caminhada em direcção ao progresso.

Criada esta substantiva dinâmica comunicativa entre nós, venho pois solicitar as tuas epifanias, essenciais para decifrar as magnas inquietações que de seguida te enumero, e assim conseguirmos criar condições objectivas para manter a trajectória crescente do PIB e da estultícia nacional.

1. O Benfica contratou um bruxo guineense para ganhar o tetra. Trata-se, ou não, de uma atitude desrespeitosa para os bruxos e videntes nacionais, os quais já deram provas suficientes de que são misteres no seu mister? Os bruxos devem lusos, entre os quais Francisco J. Marques, devem queixar-se às autoridades competentes ou vingar-se e recorrer à magia negra para fazer o Benfica perder? Marcelo deve intervir?

2. Daniel Oliveira e Andreia Rodrigues casaram-se. Será que os filhos vão ter olhos azuis para eles lerem melhor o que os putos querem dizer? E, se  tiverem olhos castanhos, o relacionamento entre ambos estará comprometido? Marcelo deve intervir?

3. A Carolina Deslandes está grávida e lamenta-se de não caber em nenhuma roupa. Será razão para processar a indústria do vestuário e calçado, ou será que a Carolina está apenas a pedir sub-repticiamente às marcas que lhe ofereçam uns trapinhos? Marcelo deve intervir?

4. A bombeira da Pampilhosa, Raquel Santos, cuja beleza seduziu as redes sociais, tem condições para ser a futura ministra da Administração Interna, ou a sua notoriedade é apenas uma das muitas parvoíces pululantes que por aí anda? Marcelo deve intervir?

5. O peido do Salvador Sobral era cheiroso ou apenas uma metáfora? Se era cheiroso, não devia ser classificado com uma bufa? Será que o país vai conseguir voltar a ser o mesmo depois do peido/bufa/traque/flatulência/bombar-da do Salvador? Marcelo deve intervir?

6. Cláudio Ramos está de férias. Quem é Cláudio Ramos? Marcelo deve intervir?

7. Cristiano Ronaldo pode ser considerado um traidor por namorar com uma espanhola, ou trata-se apenas de uma reinvenção da táctica do quadrado que tanto jeito deu em Aljubarrota? Marcelo deve intervir?

8. Luciana Abreu tem numa nova música intitulada "El Camarón", na qual descreve o seu internamento hospitalar devido a uma alergia ao marisco. Será que sendo cantada em espanhol deixa de ser pimba e passa ser pumba? Depois disto a "silly season" ainda faz sentido ou é uma redundância? Marcelo deve intervir?

9. Marcelo deve intervir para decidir se Marcelo deve intervir? 

Caso não te sintas capaz de esclarecer, na plenitude, os meus quesitos, avisa, que eu pergunto à Cristina Ferreira. Ela é tão perspicaz que um destes dias até descobriu que em Marrocos faz muito calor.

Sem outro assunto de momento, subscrevo-me com estima e consideração,

Virgolino Faneca

Quem é Virgolino Faneca. Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.