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Virgolino conta a história da queda de um avião. E não era Canadair

Virgolino Faneca escreve a Guidinha, relatando-lhe a história de Amadeu, uma rapaz de Grândola que pôs a circular a história da queda de um avião no Isaías por altura da segunda Guerra Mundial. Parece que foi hoje.

23 de Junho de 2017 às 18:38
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As epístolas de Virgolino Faneca

Cara Guidinha

Sei que tu gostas de histórias e por isso vou-te contar uma que se passou na minha terra Grândola nos anos 40 do século passado ou que me contam que se passou porque eu não estava lá mas acredito nos relatos pois que foi assim o Amadeu nome inventado era um rapaz sobejamente conhecido por gostar de pregar partidas e um dia vivia o mundo a segunda guerra mundial lembrou-se de agitar a pacata vila espalhando a notícia de que tinha caído um avião no Isaías um lugar situado a uns cinco quilómetros da vila e adicionou-lhe pormenores era um avião de combate alemão os pilotos tinham-se ejectado e a queda do dito avião estava a provocar um incêndio para aquelas bandas pelo que era preciso ir lá para o apagar e também para apanhar os nazis porque embora Portugal fosse um país neutral lá para aquelas bandas torcia-se mais pelos aliados e o Amadeu lá foi de tasca em tasca disseminando a informação começando na do Zé da Ponte e acabando na do Pagarim interiormente satisfeito pela qualidade da peta e por constatar que estava a ter os efeitos pretendidos porque a malta da vila homens mulheres crianças estava a juntar-se no largo da Palmeiras adicionando mais factos à história inventada pelo Amadeu às tantas já não era um mas dois aviões e não tinham caído tinham sido abatidos por um hábil piloto inglês tipo major Alvega enquanto outras versões apontavam para uma terrível batalha nos céus entre duas esquadrilhas uma de cada lado uma verdadeira mortandade para aí uns oito aviões derrubados e apesar de não haver consenso relativamente aos factos ninguém colocava em causa a ocorrência circunstância que pôs o Amadeu a rir-se para dentro recompensado por sentir que a sua patranha era já uma verdade adquirida e assimilada a tal ponto que as gentes de Grândola se puseram ao caminho rumo ao Isaías para verem in loco a dimensão da tragédia alguns levavam caçadeiras outros foices e outros ainda as simples navalhas dos petiscos caso fosse preciso neutralizar os nazis e não eram uma duas três ou 10 pessoas eram magotes delas tantas que às tantas pareceu que a vila havia deserta e o Amadeu foi beber uns copos de vinho para a tasca do Diabrório de onde lhe era permitido observar a movimentação das gentes da terra rumo ao Isaías era gente que nunca mais acabava e esta circunstância acabou por semear dúvidas no espírito de Amadeu como é era possível terem caído na esparrela afinal nem havia fumo ao longe se calhar a sua mentira tinha-se transformado em verdade por obra e graça do espírito santo mais um copo de três e a dúvida a ganhar lastro e a engrossar a tal ponto que quando deu por si Amadeu também estava a caminho do Isaías para comprovar com olhos de ver a queda de um ou mais aviões naquele lugar então ermo dando razão ao ditado de que uma mentira muitas vezes repetida se pode transformar-se numa verdade e foi assim Guidinha que se construiu uma lenda mais forte do que o tempo e que ainda hoje se conta já não nas tascas do Zé da Ponte do Pagarim ou do Diabrório que entretanto desapareceram mas noutros lugares de convívio onde também não faltam copos para clarear as gargantas lembras-te daquela história do Amadeu que caiu no seu próprio enredo claro que me lembro eram uma porrada de aviões e nenhum deles era um Canadair aquele Amadeu era um ponto ai era mesmo à nossa tchim-tchim.

Um xi deste teu,

Virgolino Faneca

PS: Esta epístola evoca as redacções da Guidinha, da autoria de Luís de Sttau Monteiro, crónicas de costume escritas sem qualquer pontuação, que foram publicadas entre 1969 e 1970 num suplemento humorístico do Diário de Lisboa chamado A Mosca, dirigido por José Cardoso Pires.

Quem é Virgolino Faneca. Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.
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