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06 de Fevereiro de 2009 às 11:29

Três meses em Washington (II)

Os crimes financeiros são punidos nos Estados Unidos com perturbadora violência. Olhando apenas para alguns dos casos mais mediáticos dos últimos anos, Bernard Ebbers, ex-CEO da WorldCom, foi condenado a 25 anos de prisão

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Os crimes financeiros são punidos nos Estados Unidos com perturbadora violência. Olhando apenas para alguns dos casos mais mediáticos dos últimos anos, Bernard Ebbers, ex-CEO da WorldCom, foi condenado a 25 anos de prisão; Andrew Fastow, ex-CFO da Enron, foi condenado a 10 anos de prisão (depois reduzidos para seis), e com ele foram condenados outros 14 altos quadros da empresa; L. Dennis Kozlowski e Mark H. Swartz, respectivamente ex-CEO e ex-CFO da Tyco, foram condenados a oito a 25 anos de prisão; John Rigas, fundador da Adelphia Communications, e o seu filho Thimoty, foram condenados, respectivamente, a 17 e 12 anos de prisão; a popular apresentadora Martha Stewart foi condenada a cinco meses de prisão (e três meses de prisão domiciliária) por ter mentido a respeito dos motivos da venda de 3.928 acções da ImClone Systems, uma sociedade gerida por um amigo, Sam Waksal, pouco antes de más notícias terem feito o preço das acções cair. E a lista não tem fim.

Tanto ou mais perturbador que a violência destas penas é ver a dificuldade que temos, em Portugal, para punir criminalmente os autores de crimes financeiros e, mais em geral, de escândalos mediáticos - o fenómeno, sendo mais perceptível nos crimes financeiros - tema em relação ao qual ainda poderão existir razões de (falta de) censura social que ajudam a explicar o que se passa -, é generalizável a tantos outros tipos de criminalidade, com a razoável excepção dos crimes de sangue.

De cada vez que surgem notícias na imprensa sobre a possível actuação criminosa de uma figura pública, o primeiro momento é sempre de linchamento popular. Tipicamente, surge um ensurdecedor rugir social que clama pela aplicação de penas exemplares, desproporcionadas e desajustadas. Como a Justiça é lenta e pesada nos seus movimentos, este primeiro momento chega a durar meses ou anos, e só arrefece quando o visado, percebendo - tantas vezes tardiamente - que a grande fogueira acesa o queimou, se retira da praça pública. Poucos são os que o percebem a tempo e que, por isso, saem apenas chamuscados.

O segundo momento - certamente o mais dramático - é o do processo judicial. Sendo a acusação alimentada pela fogueira mediática quando esta é um verdadeiro fogo dos infernos, vemos sempre, com o julgamento, essa fogueira a amainar. Quando pouco mais tem que cinzas, o processo transforma-se num pesadelo burocrático em que as regras garantísticas são usadas e abusadas pelo visado; anos depois, milhares de páginas de processo depois, o caso exemplar transforma-se num processo de resultados divididos, em que a opinião pública já não sabe para onde balouçar.

A verdade é que não sabemos punir. Não o sabemos fazer nos Tribunais, nas escolas ou nas empresas. Está na nossa alma e no nosso sangue; está na nossa cultura e no nosso ser; somos inquisidores e promotores de redenção; somos fortes com os fracos e fracos com os fortes; somos, na mesma pessoa, fortes e fracos e perdemos o equilíbrio que deve reger, em cada momento, a aplicação da Justiça. A violência crítica da culpa que alimenta a fogueira inicial tem a mesma intensidade que capacidade de redenção - com a intermediação humana que tanto caracteriza a nossa vivência católica - do confuso perdão final.

A nossa incapacidade de punir com eficácia tem custos sociais significativos - faz de nós injustos com os inocentes e com os culpados; faz com que o julgamento social se sobreponha ao processo jurídico; faz de nós uma sociedade mais insegura e mais fraca, especialmente quando comparada com aqueles que lidam bem com a culpa e com o castigo.
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