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03 de Abril de 2009 às 10:58

Três meses em Washington (VI)

Uma das últimas experiências em Washington foi má. Estava a ler (mais) uma notícia "online" sobre o caso Freeport no bar da faculdade e comentei o assunto com um colega, professor de Direito Criminal...

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Uma das últimas experiências em Washington foi má. Estava a ler (mais) uma notícia "online" sobre o caso Freeport no bar da faculdade e comentei o assunto com um colega, professor de Direito Criminal, que se interessou pelo tema e pediu-me uma descrição do que tinha acontecido. Sem saber no que me estava a meter, fiz um curto relato do que, como "público" externo ao caso, sabia: sobre a notícia no "Independente" publicada em 2005 no fim-de-semana antes das eleições; sobre a aparente morte do processo após o seu desmentido; sobre o seu renascimento público após a intervenção das autoridades inglesas; sobre as sistemáticas acusações ao primeiro-ministro e os seus desmentidos; sobre as buscas feitas, quase acompanhadas em directo; sobre as constantes fugas ao segredo de justiça e a gravação passada na televisão; sobre a intervenção do bastonário da Ordem dos Advogados; sobre as sistemáticas referências públicas a pressões sobre os magistrados que acompanham o processo e os respectivos desmentidos.

Confesso que quando terminei o relato fiquei envergonhado. Quando estas coisas são vividas passo a passo, custam menos. Este relato, feito numa faculdade de Direito e a quem não conhece Portugal, é um retrato terceiro-mundista que ultrapassa tudo aquilo que nós podemos imaginar - não há campanha publicitária que possa apagar o mal que eu já tinha feito. Tenho a certeza que aquele americano nunca mais olhará para Portugal com os mesmos olhos. A verdade é que o que fizemos - todos -, nos últimos anos, com a Justiça é um caso de polícia. Será que temos presente que a primeira sessão de julgamento do processo "Casa Pia" foi em Novembro de 2004?! Que a notícia do "Expresso" que desencadeou todo o processo é de 2002?! Ou seja - que andamos, dia a dia, semana a semana, a ouvir falar de um processo que está ser julgado em primeira instância há mais de quatro anos. Será que temos presente que é do Verão de 2004 o trânsito em julgado da decisão judicial sobre o "caso Esmeralda"? Ou seja - que andamos, dia-a-dia, semana a semana, a ouvir falar de um processo que tem uma decisão supostamente final há mais de quatro anos.

Escusado será dizer que nenhum destes processos - e tantos mais - terá um desfecho que prestigie a Justiça. Nem quero saber quem tem razão. A verdade é que não é possível discutir durante anos um processo na praça pública, com acusações difundidas nos jornais e televisões, violações sucessivas (e muitas vezes cirúrgicas) do segredo de justiça, deixando que cada um forme opinião sobre o assunto e tome partido como se estivéssemos perante um jogo de futebol, e esperar que no seu fim a decisão saia respeitada. Sempre - seja qual for a decisão - ficarão muitos a achar que a Polícia, o Ministério Público, os Tribunais ou qualquer outro agente da Justiça foi manipulado. E isto é o pior que pode ser feito a quem aplica a lei. A Justiça depende do respeito que outros por ela têm - alimenta-se desse respeito. Se não se dá ao respeito, perde a massa de que é feita. Isto acontece com custos dramáticos para a nossa cidadania, imagem e respeitabilidade e vai ser pago durante muitos e bons anos.

Três meses depois, seis textos depois, é tempo de fazer o caminho de regresso; voltar. Washington é uma cidade extraordinária e a Universidade de Georgetown Law é uma notável instituição que me propiciou condições únicas de trabalho. Mas não é aqui que pertenço e Lisboa já chama. Ficar longe dá uma perspectiva especial das coisas que, no dia-a-dia, já não são vistas ou percebidas - especialmente das más, muito embora o regresso reavive todas as boas. Lembro-me do relato sobre uma entrevista do Tom Jobim a um jornalista americano que é passada como verdadeiro. É mais coisa menos coisa como isto - já famoso em terras americanas e passando boa parte do seu tempo em Nova Iorque, um jornalista pergunta-lhe porque não se muda para os Estados Unidos, aí estabelecendo a sua residência. A resposta terá sido mais coisa, menos coisa: "sabe, aqui, os Estados Unidos, é muito bom, mas é uma merda; lá no Brasil, é uma merda, mas é muito bom".

Não sei se é permitido dizer palavrões no Jornal de Negócios, mas como o também brasileiro - e único - Nelson Rodrigues dizia, também os eles são filhos de Deus. E eu estou muito contente por estar de volta.


Advogado
jbp@plmj.pt
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